Visitação: de 11 de novembro a 10 de fevereiro de 2012, de segunda-feira a sabado, das 9h às 18h, na Galeria do Mezanino – Rua da Imprensa, 16 Centro, Rio de Janeiro (RJ)
A cultura de sete estados brasileiros na alma de um rio
Ronaldo Fraga – premiado na São Paulo Fashion Week 2008, por sua coleção inspirada na cultura do São Francisco
O presidente da Funarte, Antonio Grassi, inaugurou, na galeria da Fundação, no Palácio Gustavo Capanema (RJ), no dia 10 de novembro, a exposição “Rio São Francisco, um Rio Brasileiro”, do estilista e artista plástico Ronaldo Fraga. Centenas de pessoas, entre artistas, gente do mundo da moda e demais convidados lotaram o espaço e se encantaram com o trabalho, que retrata a cultura popular das margens do “Velho Chico”, recriada pelas lembranças e pelo olhar de Ronaldo. A mostra é composta por instalações de arte contemporânea, criadas com técnicas mescladas, da escultura ao vídeo, passando pela moda e pela culinária. Ao entrar na galeria, o visitante é levado um caminho, que conduz aos diversos aspectos das culturas da bacia do São Francisco que atinge sete estados: Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergipe.
Com 14 ambientes interligados, a exposição é criada para lembrar uma viagem de navio pela própria alma do rio, no qual surgem símbolos de cada trecho dos 2.873 km de extensão do “Velho Chico”, da foz à nascente. Mitos, religiosidade, cheiros, sabores, música e costumes das cidades ribeirinhas se sucedem, em obras cheias de conteúdos e mensagens simbólicas. Cada uma delas mostra o quanto são plurais e típicas e as manifestações culturais das margens do rio. “O encanto das lendas – mágicas e ao mesmo tempo assustadoras; a poesia musical das cores; tudo na região encanta e impressiona”, afirma Ronaldo Fraga. “Busco retratar a diversidade dos costumes, crenças, e raças – influências de índios, negros e brancos – que existe ao longo do rio”, acrescenta o artista.
Duas atrações de áudio e vídeo se destacam. Na primeira, a voz de Maria Bethânia sai de dentro dos 16 “vestidos musicais”, que compõem o ambiente “A Voz do Rio”. Ao se encostar neles, ouve-se a cantora declamar o poema “Águas e Mágoas do rio São Francisco”, de Carlos Drummond de Andrade (1977). Noutra instalação, há um documentário sobre o município de Rodelas (BA) inundado para dar lugar a uma hidrelétrica. O vídeo foi produzido e narrado pelo ator Wagner Moura.
Durante a abertura da mostra, atriz Simone Spoladori, conhecida através de telenovelas, cinema e teatro, comentou: “O trabalho de Ronaldo é sempre muito lúdico. Ele nos faz viajar realmente até o Rio e refletir sobre o que está acontecendo, em relação à transposição do Rio, e no que ela causa na vida das pessoas”. O presidente da Funarte, Antonio Grassi, aponta que a exposição faz uma leitura da cultura popular com uma ótica contemporânea. “É lindíssima e parece ter nascido para ser instalada aqui – um espaço grande, com maior facilidade de circulação. A exposição agrega valor ao Palácio Capanema”, acrescenta. “O ‘Velho Chico’, além de banhar um extensão territorial imensa, tem uma característica: em volta dele a cultura é fervilhante. Onde o rio passa, há uma produção cultural fantástica. Portanto, este trabalho é, também, uma excelente forma de lançar o ‘Mais Cultura Microprojetos Rio São Francisco’ , cujo edital acabamos de publicar”, anuncia o presidente.
Ronaldo concorda que houve ótima adaptação entre a mostra e a galeria: “O lugar é maravilhoso, pela história, localização e tamanho, está preparado para qualquer exposição. Estivemos em mais duas cidades, em dois espaços, e este é o melhor. A reação à obra, ao edifício e à galeria, é de afeto e surpresa. Além do mais, o Rio São Francisco é o que mais gera afeto no povo. Por isso a exposição interessa a todos os aqueles ligados nas questões do rio e apaixonados por ele, e não somente aos aficcionados por moda, cultura, ou pela discussão entre o contemporâneo, o popular e o erudito. É para os estudantes e para todos, de todas as idades e classes sociais. A Funarte está desempenhando muito bem o papel importante, que é oferecer este pequeno universo, de tantas linguagens”, afirma o estilista. Ele lembra que a exposição é o primeiro projeto ligado à moda incentivado pela Lei Rouanet. “Ele representa uma abertura de portas para a moda brasileira ser reconhecida como instrumento cultural”, comemora.
A mostra é itinerante. Ela foi inaugurada em MG, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em outubro de 2010, onde ficou até dezembro e recebeu mais de 40 mil visitantes – incluindo 18 mil alunos de escolas públicas e privadas – recorde de visitação do principal centro cultural da cidade. A mostra deve circular por mais 12 cidades brasileiras.
Ambientes da exposição
Mapa – um grande mapa de 12m reproduz o traçado do São Francisco, no qual lentes de “slides” mostram fotos e vídeos das 15 principais cidades ribeirinhas.
Foz – um grande espaço, com colchões estampados, como se fossem água, representam a desembocadura do Rio, onde peixes coloridos, feitos com garrafas pet cercam uma projeção de vídeo, em que o artista explica a proposta da exposição.
Pescaria do Saber – dedicado às crianças. Ali elas podem conhecer um pouco mais sobre os peixes do rio.
De encontro ao rio – fotografias de Soraya Ursine (MG), tiradas pela jornalista durante a Expedição Engenheiro Halfeld, que percorreu todo o rio, em 2001.
Cidades Submersas – instalação que remete às cidades alagadas para dar lugar às usinas hidrelétricas. Projeção do vídeo de Wagner Moura, sobre maquete escultural da cidade inundada de Rodelas (BA), onde ele foi criado.
Lambe-lambe das lendas – Ilustrações de Ronaldo para as lendas mais famosas do universo do “Velho Chico”. Há textos explicativos sobre entes mitológicos, como o Caboclo d’água, a Pisadeira, a Cachorrinha d’água, o Minhocão, o Tutu Marambá, a Mãe d’água, entre outros.
O Gosto que o Chico tem – representa por imagens os cheiros e sabores dos mercados da região, tais como os de pequi, coquinho azedo, rapadura, tapioca e cajá. Na parede, de latas litografadas, com imagens de peixes em extinção, próprios do rio.
A Voz do Chico – sai de vestidos a voz de Maria Bethânia, declamando o poema “Águas e Mágoas do Rio São Francisco”, da obra “Discurso de Primavera e Algumas Sombras”, de Carlos Drummond de Andrade (1977).
Água que se bebe – garrafas com as águas do rio e rótulos fictícios, que homenageiam cidades, mitos e crenças regionais características.
De gota em gota se faz o mar – A nascente do rio: a instalação interativa convida o visitante a relatar suas percepções e emoções em uma grande lousa.
O Rio tece e veste – Instalação de vestidos, criada a partir do desfile do estilista, na São Paulo Fashion Week, em 2008, inspirado na cultura do “Velho Chico”, cuja coleção originou a exposição. Ao lado, há uma grande parede, que simula os bastidores do trabalho das bordadeiras. Segundo Ronaldo, ela é uma justa homenagem à memória desta profissão, muito presente nas cidades ribeirinhas – principalmente na região de Pirapora (MG).
Memória e devoção – reproduz os ex-votos (fotos, quadros ou objetos, postos em igrejas, em gratidão a uma promessa. O roteiro explica que eles representam a expressão máxima de fé de romeiros que visitam, desde a descoberta do ouro, em MG, o santuário de Bom Jesus da Lapa. O visitante pode pisar no sal grosso, que cobre inteiramente o chão do módulo.
Do convés do Vapor Benjamin Guimarães observamos as várias faces do rio – são retratados os corredores do antigo navio a vapor, que navega até hoje na região. Tombado como patrimônio, é o único do seu tipo que ainda funciona, no mundo.
O Chico e o caixeiro viajante – Em parede, feita de malas antigas, similares aos dos mercadores andarilhos dos anos 1940 e 50. Fotos de Marcel Gautherot, do acervo do Instituto Moreira Salles, e vídeos produzidos pelo projeto “Cinema no Rio São Francisco” retratam uma o cotidiano da época, e a saudade “de um rio que não existe mais”.
A obra pelo autor
“Grandes criadores brasileiros, como Machado de Assis e Drummond, usaram como matéria prima o tempo. Mas não o do cotidiano, o comum, mas o tempo que é fruto do respeito à observação e à vivência, somado ao agora. A matéria prima do artista, inclusive na moda, é este tempo. É importante que o criador procure refletir sua época, até para que a obra permaneça”, observa Ronaldo Fraga. Ele destaca também que nunca levantou bandeiras de cultura regional, especificamente a de Minas Gerais, onde nasceu. “Mas hoje vejo que a cultura mineira é fundamental para mim, pois é justamente a da observação e do tempo. Ela se faz pelo observar da maturação das coisas. Logo, ficar em Minas nos anos 90 me alimentou artisticamente”, reflete. “Também tenho orgulho de ser mestiço e ter uma formação mestiça. Penso que o maior preconceito é contra o mestiço; mas acho que ele é a essência da cultura brasileira. Também neste sentido, a exposição utiliza múltiplas formas e recursos. Afinal, um rio que passa por cinco estados e contém uma sobreposição de culturas pede esta multiplicidade de formas – e não um minimalismo europeu. Até porque falo de um rio que é mais do que rio: é gente, música, sabor, e é tudo ao mesmo tempo”, conclui.
A Funarte e o MinC lançaram, também no dia 10, o “Mais Cultura – Microprojetos Rio São Francisco”. Leia mais aqui.
“Rio São Francisco, um rio brasileiro”
Até sexta-feira, dia 10/02
De 11 de novembro a 10 de fevereiro de 2012
De segunda-feira a sabado, das 9h às 18h
Galeria do Mezanino do Palácio Gustavo Capanema
Rua da Imprensa, 16 – Centro, Rio de Janeiro (RJ)
Leia mais no site da exposição: http://saofranciscoronaldofraga.com.br/