Livro ‘Kalma Murtinho, figurinos’ é lançado pela Funarte

A Fundação Nacional de Artes – Funarte – lança, no dia 16 de setembro de 2014, no Teatro Tablado, Zona Sul do Rio de Janeiro, o livro Kalma Murtinho, figurinos. A publicação, que apresenta mais de 400 desenhos, croquis e fotos dos trabalhos da figurinista, inclui uma cronologia completa de sua obra, além de textos críticos e depoimentos, inclusive da própria artista – uma das mais célebres da cena brasileira – alguns deles exclusivos para o livro. Organizada por Rita Murtinho (filha de Kalma e também figurinista) e pelo ator, roteirista e diretor Carlos Gregório, a publicação inclui introduções de Fernanda Montenegro, Barbara Heliodora e Paula Santomauro.

O livro representa mais de 60 anos de trabalho daquela que se dizia uma “operária das artes”(1). A obra inclui textos jornalísticos, como os de Carlos Drummond de Andrade, Fausto Wolf, Yan Michalski, Macksen Luiz e Sábato Magaldi e pelos testemunhos dos parceiros de trabalho de Kalma Murtinho – como Gianni Ratto, Maria Clara Machado e Camila Amado, entre outros, que ajudam a contextualizar a obra da figurinista na história do teatro brasileiro.

O presidente da Funarte, Guti Fraga, analisa: “A exuberância do teatro brasileiro, respeitado no mundo todo, se deve, em grande parte, ao talento de nossos cenógrafos e figurinistas. Entre estes, sobressai o trabalho de Kalma Murtinho. Ela pertence à geração que profissionalizou e deu visibilidade ao ofício. Assinou figurinos em espetáculos que fizeram a história de nossas artes cênicas”. O presidente destaca que o Brasil carece de publicações sobre cenografia e figurino. “O livro resgata essa trajetória de êxitos e a deixa disponível para as novas gerações”, conclui.

Sobre Kalma Murtinho

A carioca Maria Carmen Braga Murtinho (1920 – 2013) criou indumentária, cenários e adereços para teatro, carnaval, dança, ópera, televisão, cinema e shows, num total de mais de 220 produções, a grande maioria para teatro. Ganhou mais de 30 premiações, de 1955 a 2007, sendo quatro prêmios Molière; seis troféus Mambembe (Ministério da Cultura); dois prêmios Shell; e os prêmios das associações brasileira, carioca e paulista de críticos teatrais; além dos prêmios Saci e Ibeu, entre outros. Começou nos anos 40, antes de existir no Brasil a profissão de figurinista, “no tempo em que se dedicar ao teatro significava fazer de tudo, de varrer os bastidores a atuar”(1), por isso acostumou-se a tirar ela mesma as medidas dos modelos e a comprar material. “O processo de profissionalização é bastante difícil no Brasil. Se não houvesse a lei reconhecendo os artistas […], não teríamos chegado a nada. Mas […] nossa profissão não está organizada”(1), advertiu. Seu trabalho era feito com planejamento e apuro, além de zelo pela pesquisa e p ela antecedência – entregava os figurinos já nos ensaios – porque, como dizia, “a roupa ajuda o ator a vestir o personagem”(2).

Barbara Heliodora, Fernanda Montenegro e Paula Santomauro escrevem sobre Kalma

Na introdução do livro, Barbara Heliodora lembra que, no começo da carreira, Kalma Murtinho exercia mais de uma função – atriz, figurinista e cenarista – em produções amadoras, no Teatro Tablado, junto a Maria Clara Machado, com quem colaborou, por 40 anos. Muito solicitada como figurinista, Kalmateve que decidir por uma das atividades. “Para sorte do teatro brasileiro, […] optou pelos figurinos”, diz a jornalista. Mas não deixou os cenários, também marcados pela excelência. “Para produzir figurinos dessa qualidade, é necessária uma consciência muito precisa do que pode sugerir a realidade, quando apresentada no palco”, avalia Barbara. Ela diz que “a partir da década de 1970 Kalma é, de longe, a pessoa mais requisitada em sua profissão” e lembra os sucessos da artista, como o do ano de 1979 quando retrato u a malandragem carioca em O rei de Ramos, de Dias Gomes, no Teatro João Caetano. A crítica ressalta o prazer, o amor e o cuidado com que Kalma tratava cada peça. Acrescenta que a artista fez “as centenas ou os milhares de figurinos que vestiram o melhor do teatro brasileiro”, sempre servindo aos roteiros com precisão, sem nunca ter procurado enfatizar seu próprio trabalho – para que ele fosse um “serviço prestado ao texto e ao diretor”. Cita ainda Marília Pêra, que disse: “…sempre que dirijo um espetáculo eu a convido […] porque ter Kalma em um espetáculo é cercá-lo de sabedoria e elegância”. A atriz e encenadora relata que dirigiu quatro peças com figurinos assinados pela figurinista e enaltece a elegância e a delicadeza das suas criações de Kalma.

Fernanda Montenegro fala de sua experiência com o trabalho da indumentarista. Diz que ela sempre trazia para os atores “o milagre da não estranheza, do não desconforto”. E explica: “Em teatro, às vezes, o hábito faz o monge. Kalma não cria no ‘de fora para dentro’, mas, sim, no “de dentro'”. Acrescenta que o ator era “envolvido” pelos figurinos da artista “que você leva como leva seu corpo. […]”, sempre integrados ao intérprete. “Devo a Kalma Murtinho encontros cênicos inesquecíveis. Figurinos que traziam apoios conclusivos para aquela interpretação”. E conclui: “Não vejo na história da nossa indumentária cênica nenhum outro artista com tal extraordinária presença criat iva ao longo de tantos […] anos…”. Já Paula Santomauro revela detalhes curiosos da biografia e da personalidade de Kalma; e alguma coisa da sua infância e vida cotidiana – em casa, e na loja de artesanato que abriu em Copacabana, onde iam artistas e intelectuais e que inspirou até um poema de Drummond (reproduzido no livro). Paula descreve, ainda, as primeiras pesquisas teatrais de Kalma.

A figurinista fala do seu trabalho

“Mesmo que um só papel esteja sendo interpretado por cinco atores, os cinco figurinos vão ser diferentes: não há possibilidade de estereotipar um figurino.” (2)

“Durante algum tempo consegui me desdobrar entre atriz e figurinista, mas logo percebi que teria que optar […] Não preciso nem dizer que a minha escolha por ser figurinista foi acertada, pois sinto que nasci para isto.”(3)

“Mas, uns dez, vinte anos depois, eu estava fazendo figurinos para cinco espetáculos ao mesmo tempo.”(4)

Kalma Murtinho

Uma cronologia de sucessos

Kalma trabalhou em teatro até o ano de 2012. Como destaca Barbara Heliodora, foi chamada por todos os diretores importantes do país – como Ziembinski, Gianni Ratto, Ítalo Rossi, Adolpho Celli, José Renato, Luís de Lima, João Bethencourt, Dias Gomes, Antônio Abujamra, Fernando Torres, Marília Pêra, Moacyr Góes, Bia Lessa, Miguel Falabella e muitos outros.Vestiu personagens de Tchekhov, Brecht, Tennessee Williams, Virgínia Woolf, Plínio Marcos e de vários outros dramaturgos famosos.

Além do Tablado, grandes teatros e companhias do Brasil foram marcados por figurinos e cenários da artista, entre elas a do Teatro Nacional de Comédia (TNC) – com Pedro Mico, de Antônio Callado, direção de Paulo Francis, em 1957; e os Artistas Unidos em 1958 com Gigi, de Collette. Em São Paulo, seu trabalho se destacou, nos anos 50, no Teatro Brasileiro de Comédia – TBC. Nas décadas de 60 e 70, os figurinos de Kalma estiveram em vários teatros cariocas, como o Dulcina (hoje da Funarte) e o Ipanema – como em O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, tradução de Eugênio Kusnet, pelo qual ela ganhou o Molière. O Teatro Copacabana, o Teatro dos Quatro e o Teatro de Bolso receberam suas indumentárias e o Casa Grande, com A cinderela do petróleo – autoria e direção de João Bethencourt. Em 1 976, O Quarteto, de Antônio Bivar, dirigido por Ziembinski no Teatro Márcia de Windsor (São Paulo) teve figurinos dela.

Em 1981, desenhou para Henriette Morineau e o elenco de Ensina-me a viver, de Colin Higgins, direção de Domingos Oliveira. Fez As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, de Fassbinder, com Fernanda Montenegro, em 1982. No mesmo ano, trabalhou para os musicais Amadeus, de Peter Shaffer e Piaf , com Bibi Ferreira, de Pam Gens – ambos dirigidos por Flávio Rangel. O mesmo encenador fez, ainda, em 1983, Vargas, de Dias Gomes e Ferreira Gullar, também com Kalma. No mesmo ano, ela ganhou os prêmios Molière e Mambembe, por Foi Bom Meu Bem?, de Luís Alberto de Abreu, com direção de Wolf Maya; e por Testemunha de Acusação, de Agatha Christie, dirigido por Domingos Oliveira e Luiz Carlos Maciel; e fez A eterna luta entre o homem e a mulher , de Millôr Fernandes – direção de Gianni Ratto -, no Teatro Clara Nunes (RJ). Em 1986, Tônia Carrero e Sérgio Britto viveram Quartett, de Heiner Muller – direção de Gerald Thomas, com trajes cridos por Kalma.

Fez também É…, de Millôr Fernandes, dirigido por Camilo Átilla, em 1996 e, no ano seguinte, Gata em teto de zinco quente, de Tennessee Williams, com direção de Moacyr Góes. Em 2001, com direção de Bibi Ferreira, fez Conduzindo Miss Daisy, de Alfred Uhry. Assinou o Theatro musical brasileiro, de Luís Antônio Martinez Correa, em 2009, com direção de Fabio Pillar. A peça foi escrita a partir de pesquisa, apoiada pelo antigo Inacen (antecessor da Fundação Nacional de Artes Cênicas – Fundacen, incorporada à Funarte).

Em televisão, nos anos 70, com Chico Anysio, fez Chico City – direção de Augusto César Vanucci – além de atuar em famosas telenovelas, como Saramandaia, de Dias Gomes (direção de arte e figurinos); Duas vidas; O Astro, de Janete Clair; e ainda Espelho mágico, de Lauro César Muniz – direção de Gonzaga Blota e Daniel Filho.

Fez a indumentária para três filmes e três shows – destacando-se os de Elis Regina e de Beth Carvalho. Em dança, assinou Les présages, de Leonid Massine, conduzido por Tatiana Leskova. Kalma fez ainda duas óperas, ambas no Theatro Municipal (RJ): Yerma, de Villa- Lobos, direção de Adolpho Celli (1983) e O Trovador, de Giuseppe Verdi, dirigida por Bia Lessa (2010).

Referências

(1)- Brasil Memória das Artes – Funarte – www.funarte.gov.br
(2) – Enciclopédia Itaú Cultural
(3) – Livro Os melhores anos de muitas vidas: 50 anos de Tablado, de Martha Rosman (Agir, 2001).
(4) – Livro Vestindo os nus: figurino em cena, de Rosane Muniz (Senac Rio, 2004).

Kalma Murtinho, figurinos
Organização: Rita Murtinho e Carlos Gregório
Edição Funarte
244 páginas
Preço: R$ 50

Lançamento: 16 de setembro, terça-feira, às 19h30

Teatro Tablado
Av. Lineu de Paula Machado, nº 795, Lagoa – Rio de Janeiro, RJ
Tels. (21) 2294 7847 | (21) 2239 0229

À venda na Livraria Mário de Andrade (Funarte/RJ), a partir do dia 17 de setembro
Encomendas para todo o Brasil, através do e-mail: livraria@funarte.gov.br

Mais informações sobre encomenda
Tels: (21) 2279 8071 e (21) 2279 8070

Mais informações
Fundação Nacional de Artes – Funarte/Gerência de Edições
edicoes@funarte.gov.br