Projeto ‘Contemporâneos na Sala Funarte’ recebe Thomas Rohrer, Nelson da Rabeca, Dona Benedita e Panda Gianfratti

O show Tradição improvisada reuniu Thomas Rohrer, Nelson da Rabeca, Dona Benedita e Panda Gianfratti, na Sala Funarte Sidney Miller – Centro do Rio de Janeiro – no dia 31 de julho, sexta-feira, com casa cheia. Essa foi a segunda apresentação do projeto Contemporâneos na Sala Funarte, que ocupa o tradicional espaço da Fundação Nacional de Artes dedicado à música. A programação reúne alguns dos principais artistas e coletivos ligados à produção autoral e independente do panorama da música brasileira contemporânea, com ingressos a preços populares.

Thomas Rohrer é um suíço radicado no Brasil, especializado em improviso livre, mas que também acompanha músicos populares, como Juçara Marçal e Marcelo Camelo, entre outros. Nelson da Rabeca é um célebre rabequeiro e luthier autodidata alagoano. O espetáculo é fruto da parceria de longa data dos artistas. Acompanhados pela cantora Dona Benedita – que divide o palco com Seu Nelson há mais de cinquenta anos – e pelo percussionista paulistano Panda Gianfratti, um dos grandes nomes do improviso brasileiro e mundial.

Nelson começou o show. Entrou Dona Benedita, seguido por Thomas e Panda e pela clarinetista convidada Joana Queiroz. Eles ofereceram ao público um espetáculo de criação livre, com um vasto e inédito repertório, calcado sobre gêneros típicos do nordeste, como o xote, o baião e o forró. “Cada show nosso é único. Por isso, a ideia está em constante transformação.”, destaca Thomas Rhorer, que acompanhou Nelson, também numa rabeca feita pelo artesão.

Thomas Rohrer: sua trajetória musical e o projeto na Sala Funarte

Thomas Rohrer, suíço radicado no Brasil desde 1995 iniciou estudos musicais no final dos anos 90, como violinista. Estudou saxofone em sua terra natal, na Faculdade de Jazz de Lucerna. Seu trabalho com a rabeca e o sax tem foco principal na improvisação livre e no diálogo com a música tradicional brasileira. Já acompanhou e toca ao lado de outros grandes músicos e grupos, em vários importantes festivais e espaços musicais do Brasil e do exterior. Integra, ao lado de Panda Gianfratti e outros, o coletivo brasileiro Abaetetuba, também na linha da criação instantânea livre conhecido no Brasil e no exterior e que já se apresentou em renomados espaços culturais; e em festivais no Brasil e em vários outros países, como Inglaterra e Espanha. Faz parte de outros coletivos musicais, com artistas reconhecidos. Para Thomas a importância da iniciativa Contemporâneos na Sala Funarte se resume no fato de que ele dá oportunidade de apresentação de projetos como o Tradição Improvisada. “A proposta traz uma continuidade a um destaque desse tipo de estética, que ainda carece de maior visibilidade para o grande público”, define.

Nelson da Rabeca: produção artesanal e intuitiva

Nascido em Marechal Deodoro (AL), onde mora até hoje, Nelson da Rabeca vem de família de agricultores, profissão que exerceu – principalmente no corte de cana, até os 54 anos (década de 1970). Foi então que viu um violino na televisão e gostou muito. Sem a ajuda de ninguém, construiu um instrumento parecido. Sem ter frequentado escola, nem saber ler, nem ter músicos, na família, aprendeu a tocar a rabeca sozinho. Passou a compor baiões, xotes, marchas e forrós pé-de-serra, e a tocar, paralelamente ao trabalho na lavoura. Aprimorou a construção dos instrumentos, sempre feitos com um facão de cortar cana. Passou a se apresentar para turistas na Praia do Francês, em Maceió, e abandonou de vez o serviço no canavial. No ofício autodidata de lutheria, no qual já é famoso, utilizou apenas a experimentação, até chegar a um resultado satisfatório, com reconhecida originalidade e perfeição. Ele pesquisa madeiras diferentes, para chegar à beleza e ao som que deseja; pesadas e duras, que geram rabecas resistentes e robustas. Sua madeira preferida é a jaqueira que, segundo ele, é bela e durável.

Thomas e Nelson: interação na música

Thomas Rohrer toca a rabeca de Nelson desde 2000. Seu interesse no instrumento começou com o contato com o maestro Zé Gomes – um dos poucos instrumentistas de arcos que, à época, tocavam, além dos violinos e violas tradicionais, a rabeca. Thomas procura expandir as possibilidades sonoras desse instrumento, através de diversas formas de preparação. “Eu já conhecia o Nelson. Mas foi em 2004, numa viagem do Grupo A Barca de Belém para São Paulo que nos aproximamos mais. A partir de 2005, comecei a conversar e tocar com ele frequentemente. Nelson é muito especial em vários aspectos. Tem uma história de reinvenção: com 54 anos, analfabeto, criando 12 filhos, fabricou o próprio instrumento e é autodidata. Isso vem de uma urgência de expressão artística! Para cada problema que surgia na rabeca, ele criava uma solução própria, com métodos de afinação e amplificação próprios. Para esta, ele já usou um aparelho de telefone, por exemplo”, explica Rohrer. “Nessa busca de som, que começa pela construção do instrumento, Nelson continua sempre a se aperfeiçoar”, completa; e explica que essa parceria com o rabequeiro faz parte da sua vivência musical, com troca de conhecimentos e amizade.

Panda Gianfratti, um inventor de instrumentos – e de sons e ritmos ao vivo

O baterista, percussionista, construtor de peças de percussão e improvisador paulistano Antonio Panda Gianfratti nasceu em 1948. Dedica-se à música improvisada desde o início de 2000, divulgando esta vertente, através de apresentações e oficinas em espaços culturais os mais variados; e em festivais, no Brasil e no exterior. É fundador do grupo brasileiro de improvisação livre Abaetetuba. Tem-se especializado nas transições de timbres, através do uso de arco, em pratos sobre tambores, vibrafone preparado, cello, “small flutes” e os instrumentos que inventa, transforma e constrói, tais como: o berimbaphone, o bambuphone, o cabacello, o cymbalophone, o recotronic e outros. Sua criação tem sempre o objetivo de interagir com outros segmentos das artes, tais como cinema, poesia, teatro, dança e artes plásticas – já dividiu o palco com artistas dessas linguagens, como Rachel Rosalen (“live cinema”, Anette Naiman (teatro) e Guilherme Dable (Artes Plásticas).

Panda começou a carreira em 1963. Apresentou-se com cantores e compositores como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa (com o The Beatnicks), Jorge Benjor, Wilson Simonal, Altemar Dutra, Taiguara, Sargentelli, Amelinha do Recife, e outros. No cenário internacional já tocou com músicos importantes como: William Parker, Phil Minton, Hans Koch, Ab Baars, Mark Sanders, Trevor Watts, Saadet Türköz, Ricardo Tejero, Raymond MacDonald, Luo Chao Yun, Audrey Chen, Peter Jaquemynl e Rodrigo Montoya, entre outros.

O improvisador falou sobre o ritmo na criação musical e sobre seu trabalho: “Esta correto o Brasil ser conhecido como um pais dos ritimos métricos e de percussionistas mundialmente aclamados. Porém o que me move no meu trabalho é a unidade dentro da diversidade – ou melhor: busco sempre uma ponte entre a tradição e as possibilidades de novas linguagens e leituras. Para isso, é necessario produzir uma síntese entre os elementos universais, que caibam em uma nova proposta como o Tradição Improvisada. Nela, as sonoridades naturais nordestinas se fundem com novos elementos, em um elo comum: os harmônicos. Desde os tempos mais remotos, até o advento da escala temperada, eles faziam com que a musica partisse sempre do som. Explico: a minha idéia é sempre partir do timbre para atingir a melodia a harmonia e o ritmo – nada de vanguarda ou de “modernosidade”; apenas, no meu caso, aproveitar as possibilidades livres de clichês e referências, ou regras; e sintetizar a minha experiencia de 53 anos na musica, criando uma linguagem absolutamente própria, na qual retiro a expectativa do externo e a conduzo para o interno, no instante da execução”.

Leia mais aqui sobre os artistas e sobre o projeto de ocupação da Sala Funarte Sidney Miller

Contemporâneos na Sala Funarte
Ocupação Audio Rebel / Quintavant

Julho/agosto de 2015
Horário: sempre às 19h30
Ingressos:R$ 20. Meia-entrada: R$ 10

Próximo show

13 e 14 de agosto – quinta e sexta-feira – Clube da Encruza
Com Metá Metá, Passo Torto, Juçara Marçal, Rodrigo Campos, Romulo Fróes e Sambanzo

Shows anteriores

24/7– sexta-feira – Arto Lindsay. O músico se apresentou ao lado de Luis Filipe de Lima (violão), e Marcos Campello (espacialização)
31/7– sexta-feira – Tradição Improvisada, com Thomas Rohrer, Nelson da Rabeca, Dona Benedita e Panda Gianfratti. Convidada: Joana Queiroz (clarinete).
7/8 – sexta-feira – Ava Rocha. Participação especial de Negro Leo

Sala Funarte Sidney Miller
Palácio Gustavo Capanema
Rua da Imprensa, nº 16, térreo
Centro – Rio de Janeiro (RJ)
Ingressos: R$ 20. Meia-entrada: R$ 10

Horário: sempre às 19h30
Bilheteria: (21) 2279-8087

Realização
Fundação Nacional de Artes – Funarte
Centro da Música
cemus@funarte.gov.br