A Fundação Nacional de Artes – Funarte reuniu na terça (29/08) um grupo de luthiers, em sua sede atual, no prédio Teleporto, no Rio de Janeiro (RJ). A maioria dos profissionais do próprio estado do Rio de Janeiro, que atendeu ao chamado da Fundação, veio com o propósito de organizar a classe desses artesãos tão imprescindíveis para a área musical. O encontro, aberto pelo coordenador de Música Erudita, maestro José Schiller, teve a mediação do servidor e luthier do Centro da Música da Funarte Orlando Motta, que convidou para a mesa de debates os luthiers Orlando Junior, Sandrino Santoro, Newton Rolla e Fernando Cardoso. Eles narraram suas histórias e experiências na arte da luteria à plateia que, além de outros luthiers e estudiosos, também contou com a presença do diretor do Centro da Música, Marcos Souza; da coordenadora de Bandas, Rosana Lemos; da coordenadora de Comunicação Social, Camilla Pereira, e de outros funcionários.
Orlando Motta abriu o encontro afirmando que, ao juntar os luthiers do Rio de Janeiro, a Funarte tem como objetivo conhecer as necessidades destes profissionais, possibilitando a troca de experiências entre o grupo para que, futuramente, venha a reunir os artesãos da luteria de todo o Brasil. Além disso, a Instituição também visa retomar o projeto de formação de novos luthiers, como fez no passado. Orlando Motta falou sobre sua formação e seu ingresso na instituição, em1970, quando já era luthier.
Em seguida, o professor Sandrino se disse honrado por estar entre os grandes luthiers do Rio. Ele falou sobre sua paixão na construção de instrumentos de corda – três contrabaixos, duas violas, um violino e um violão, e sugeriu a reativação de uma associação de luthiers, como a que conheceu em Bragança Paulista (SP), que reunia grandes artistas, o que, no seu entendimento, contribuiria para estabelecer a amizade entre os artesãos, possibilitando a troca de experiências.
Newton Rolla, filho do renomado luthier Luciano Rolla, lembrou da expertise do pai, por cujas mãos passaram seis Stradivarius (violinos feitos à mão pelo artesão italiano Antonio Stradivari, no século XVIII) e que, ao longo de sua vida, chegou a construir seis instrumentos, além da assistência que dava aos concertistas estrangeiros convidados a tocar no Brasil. Newton falou também sobre seu gosto pelo restauro dos instrumentos e sua satisfação em conhecer os colegas de outras áreas presentes ao evento.
O professor Fernando Cardoso, que veio da Bahia para o encontro, contou sobre sua experiência na Universidade Federal da Bahia, onde lecionou até 1990, instituição da qual se desligou “para se salvar como profissional”, devido à falta de liberdade para empreender seu ofício – “a necessidade da arte para a sociedade”. Ele contou que, de volta ao Rio, retomou suas atividades, atuando em várias áreas da luteria (violino, violas e violoncelos). Cardoso também falou sobre o curso de especialização que fez na Itália, convênio da Funarte com o governo do então Estado do Rio de Janeiro; sobre o trabalho que desempenhou na orquestra da cidade de Tiradentes (MG), e também no núcleo de luteria que fundou e atendia cerca de 700 jovens da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, em Itabaiana, Sergipe, considerada a mais antiga instituição musical do Brasil, criada em 1745.
Fernando Cardoso ainda abordou a construção de instrumentos e as dificuldades que cercam a profissão, como a de adquirir matéria-prima, a madeira – quase sempre importada (cedro canadense), as ferramentas necessárias, difíceis de serem encontradas no Brasil, e o custo alto dos impostos, com taxação de 60% pelo governo federal. Ele ressaltou a importância do encontro para a abertura de discussão, visando melhorar a situação dos profissionais de luteria no país.
O diretor do Centro da Música, Marcos Souza, ao se dirigir aos luthiers, ressaltou a importância da relação do artista com o instrumento, lembrando ainda de seu pai, o músico Chico Mário. Ele contou como conheceu Orlando Motta, quando chegou no Cemus, e explicou o seu interesse em ouvir os artesãos presentes ao encontro. Marcos Souza disse que um dos objetivos da reunião é mapear os luthiers e criar uma rede para que ela própria se organize e lute pelos direitos dos artesãos da luteria.
O servidor Orlando Motta foi aluno de Guido Pascoli e, ao ingressar na Funarte, em 1970, integrou o projeto Espiral, que incluía a oficina de luteria, cuja finalidade era formar jovens do Rio de Janeiro e de todo o país para que propagassem a profissão em seus estados de origem. Segundo Orlando, dez luthiers se formaram pelo projeto, quatro deles presentes ao encontro. Ele explicou que a reunião promovida pela Funarte era também para trazer luthiers de outras áreas, não só de corda com arco, mas sopro, dedilhados, para se conhecerem e se fortalecerem enquanto profissionais dessa arte, e retomar o ensino para a formação de novos artesãos.
Orlando Motta contou sua experiência como professor na antiga Escola XV de Novembro da Funabem (atual Fundação de Apoio à Escola Técnica – FAETEC), comparando-a com os alunos que recebe hoje em sua oficina. “Lá tínhamos o luxo de pegar os alunos que já tinham passado pela marcenaria e já tinham conhecimento de ferramentas; só tínhamos de lapidá-los para a nossa área que é um pouco diferente. Hoje, tenho jovens que não conhecem ferramentas, e não posso exigir. Mas não vou largar esse jovem, porque o interesse dele, o prazer é tão grande de fazer essa profissão, que eu acabo aceitando esse aluno”. O luthier afirmou que o tempo para que um profissional de luteria fique pronto é de cinco anos. “Aqui no Brasil não temos o luxo da Europa, onde o profissional pode se especializar só numa área, como por exemplo, o violino. Lá, o luthier vai sobreviver, no Brasil ainda não. Então, você acaba fazendo o próprio violino, o violoncelo, o instrumento de corda de orquestra – violino, viola, violoncelo e contrabaixo, e até mesmo a parte dos dedilhados que eu passo pra eles: violão, cavaquinho. Porque, amanhã, ele tem o comércio dele e pode sobreviver aqui no país”.
O servidor também ressaltou as dificuldades da profissão, relacionadas à aquisição das próprias ferramentas e da matéria-prima, a madeira brasileira que não é compatível à construção desses intrumentos. “Usamos uma madeira da Europa, que é o pinho europeu, na parte da frente do instrumento (tampa); na parte de trás e nas laterais, o acero – Àcero Platanoide (Pseudoplatanus), madeiras importadas, excelentes para acústica. Já o braço pode ser com madeira brasileira”.
Orlando também disse que o mercado para o trabalho do luthier vem crescendo, porque as orquestras das igrejas, principalmente, vêm fazendo um trabalho na formação de jovens que se interessam pelo ofício. O salário, segundo ele, depende da qualidade, da dedicação e da seriedade com que o artesão faz seu trabalho.