A Fundação Nacional de Artes – Funarte celebra o aniversário do compositor e radialista Lamartine Babo (1904-1963), que completaria 117 anos no dia 10 de janeiro. Autor de mais de 200 composições — entre sambas, valsas, marchinhas, fox-trotes, marchas-ranchos, canções para festas juninas e Natal e hinos dos principais times de futebol cariocas —, com clássicos como No rancho fundo, é considerado um dos nomes mais importantes da música popular brasileira. Lalá, como era conhecido, era eclético, um contador de piadas e, mesmo abusando dos trocadilhos, legou uma obra de valor inegável e inestimável.
Ficou conhecido como o “Rei do Carnaval”, criando marchinhas irreverentes e de humor refinado. Lamartine foi tão magistral na matéria que João de Barro — o saudoso Braguinha —, também uma importante autoridade em marchinhas carnavalescas, sempre que indagado sobre o assunto, afirmava: “Costumo dividir o carnaval em duas fases: antes e depois de Lamartine”.
Apaixonado por futebol, foi compositor de hinos como o do Flamengo, do Fluminense e do America Football Club, seu time do coração.
Lamartine nasceu em 10 de janeiro de 1904, na Rua Teófilo Otoni, número 45, no Centro do Rio de Janeiro. O prédio veio a ser desapropriado e depois demolido ainda no primeiro semestre daquele ano, para fazer passar a Avenida Central, hoje Rio Branco, no plano de remodelação do prefeito Pereira Passos. Décimo primeiro e penúltimo filho de Leopoldo de Azeredo Babo e de Bernarda Preciosa Gonçalves de Azeredo Babo, Lalá foi um dos três filhos do casal a chegar até a idade adulta.
Conforme conta o livro Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo, de Suetônio Soares Valença, relançado pela Funarte em 2014, Lalá, ainda estudando no Ginásio São Bento, “compôs entre os monges beneditinos um Salutaris, um Tantum ergo e uma Ave Maria, além dos hinos a São José, a Nossa Senhora Mãe dos Homens e o do Jubileu Episcopal de 1919”. A obra mais marcante dessa fase foi a música para o hino religioso Ó Maria concebida sem pecado, registrado pela cantora Carmen Costa, em LP da gravadora Alvorada, intitulado de Benditos, hinos e ladainhas, de 1983. Depois, Lamartine conheceu o carnaval, a festa que “mais participou ao longo da sua vida”, de acordo com a publicação.
Luís Nunes Sampaio, o Careca, folião inveterado, um dos grandes nomes da história do carnaval carioca, para o qual contribuiu com várias composições de sucesso, foi quem introduziu o jovem Lamartine no bloco ‘Foi Ela Que Me Deixou’, organizado e dirigido por ele e um dos mais populares e conhecidos no carnaval de rua do Rio de Janeiro, na década de 1920. A partir da relação que travaram, Careca e Lalá tornaram-se parceiros em composições lançadas nos anos de 1920: “Cresça e apareça” (samba, carnaval de 1928), “Eu sou assanhado” (charleston, 1928), “Mulher boa” (foxtrote), “O Toque do Assuero” (marcha, 1929).
[Trecho do livro Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo, de Suetônio Soares Valença, p. 61]
Lamartine, então, passou também a contribuir com textos carregados de humor para jornais e revistas e a marcar presença, na mesma década (1920), no teatro de revista, integrando a Companhia Negra de Revistas, do cançonetista De Chocolat. No final da década de 1920, conquistou o rádio. Ocupou os microfones de diversas emissoras, no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, entre outros estados. Atuou no rádio até um pouco antes de sua morte, no início dos anos 1960.
A contribuição do compositor para a sátira musical também ficou como uma das marcas. Em 1931, ele compôs Canção para inglês ver, em que brincava com a mania de brasileiros de misturar palavras em português com expressões estrangeiras.
Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo
A Funarte relançou, em outubro de 2014, o livro Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo. Escrita por Suetônio Soares Valença, a publicação, em sua terceira edição, foi revista e ampliada pelo autor, que faleceu em 2006, aos 62 anos. Valença deixou os originais e todas as anotações e orientações aos cuidados da escritora e pesquisadora Rachel Valença, mãe de suas duas filhas e parceira em trabalhos como o livro Serra, Serrinha, Serrano (1981).
Preparadora dos originais e do prefácio da nova edição, Raquel Valença comentou na época sobre a grande responsabilidade: “Ele deixou uma obra muito fundamentada. Atualizamos a discografia e a musicografia de 2005 para cá, atualizando também as gravações dos últimos anos (feitas por outros artistas). O legado de Lamartine Babo é fabuloso e esse material está documentado no livro. É um grande serviço público, porque é para pesquisadores e leitores.”
Raquel contou com a colaboração de Pedro Paulo Malta, Coordenador de Difusão e Pesquisa do Centro de Programas Integrados (Cepin) da Funarte, que foi responsável pela edição dos textos e das notas. Em 871 páginas, o livro inclui novas informações e referências, além de passagens importantes da vida de Lamartine, recontadas de forma mais detalhada e aprofundada.
Lançado em 1981 pela Funarte e reeditado, em 1989, pela Impressora Velha Lapa, Tra-la-lá é resultado do trabalho incansável de Suetônio Soares Valença, que dedicou as décadas de 1980 e 1990 a se aprofundar nas histórias contadas. Ele realizou novas entrevistas e pesquisou incontáveis publicações, acervos como o da Biblioteca Nacional e também as lançadas após a primeira edição de Tra-la-lá.
Os carnavais da década de 1920 e as primeiras composições do biografado dedicadas a blocos de nome pitoresco, como Foi ela que me deixou, Tatu subiu no pau e Só pra Machucá, são abordados, assim como a polêmica em torno da famosa marchinha O teu cabelo não nega, cuja autoria foi reclamada pelos pernambucanos João e Raul Valença, e mais tarde repartida entre os três.
O livro esmiúça, ainda, a longa e bem-sucedida carreira radiofônica de Lalá, tanto em voos solo quanto a bordo do Trem da Alegria – programa de variedades líder de audiência nas décadas de 1940/50 que, com seu caráter popular, provocou a ira de críticos como Magdala da Gama Oliveira (a Mag, do Diário de Notícias), cujos textos virulentos são citados nesta edição.
Foi numa apresentação do Trem da Alegria, em janeiro de 1944, que Lamartine lançou as marchinhas que tinha composto em homenagem aos clubes de futebol participantes do Campeonato Carioca de 1943, entre eles, o seu querido América. A partir da década de 1950, as composições passariam a ser cantadas nos estádios do Rio e – com seu molho carnavalesco – desbancariam os “hinos oficiais” (solenes e pomposos) que os clubes já possuíam, mas as torcidas desconheciam. As histórias por trás de cada um dos “hinos populares” feitos por Lalá são um dos pontos altos desta terceira edição de Tra-la-lá.
Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo
Edição Funarte
Autor: Suetônio Soares Valença
Número de páginas: 871
A versão digital do livro está disponível gratuitamente na seção “Edições On-line”, do portal da Funarte, e pode ser acessado neste link.