Maria Clara Machado, cem anos: Funarte celebra memória da escritora

Depoimento de Maria Clara Machado ao Serviço Nacional de Teatro. Acervo Funarte/Cedoc

Em 1975, Maria Clara Machado concedia um depoimento ao antigo Serviço Nacional de Teatro (SNT), colhido pelos entrevistadores Wolf Maia, Bárbara Heliodora, Yan Michalski e Aldomar Conrado. No testemunho, a dramaturga, atriz, diretora, professora e gestora teatral falou sobre momentos importantes de sua trajetória – como, por exemplo, a atuação dela em uma obra social. Maria Clara completaria cem anos em 3 de abril de 2021. Por isso, a Fundação Nacional de Artes – Funarte, por meio do seu Centro de Documentação e Pesquisa (Cedoc), celebra a memória da artista, por meio do resgate e da apresentação de imagens e informações sobre aquela entrevista.

Fundadora do Tablado, escola de teatro no Rio de Janeiro (RJ), a autora ganhou projeção internacional com suas peças infantis, como Pluft, o Fantasminha. Natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, ela chegou à Capital Fluminense aos quatro anos de idade. Escreveu cerca de 29 peças infantojuvenis e 12 livros. Faleceu no Rio, em 30 de abril de 2001 – ano em que O Tablado comemorou seu 50º aniversário.

Depoimento de Maria Clara Machado ao Serviço Nacional de Teatro. (Dossiê fotográfico. Per.AC Maria Clara Machado. Acervo Funarte/Cedoc)

O Tablado e obras sociais

Na entrevista ao SNT, Maria Clara Machado relembrou momentos importantes, como a atuação no Patronato Operário da Gávea, obra social ainda em atividade. A escritora teatral realizava serviços voluntários de assistência à saúde de operários das fábricas de tecido da região e de moradores das comunidades atendidas pela instituição – como a Favela do Pinto. A pedido da diretora do Patronato, começou a desenvolver outro trabalho de assistência social utilizando o teatro, desta vez junto a operários. Porém, enfrentou dificuldades devido à dura rotina dos trabalhadores, que impossibilitava a dedicação aos ensaios. Assim, Maria Clara, fez um grupo só com crianças. Em seu depoimento, afirmou, ao lembrar do fato: “Eu vi que a minha vocação não era ser enfermeira, mas sim fazer teatro”.

Em 1975, quando a entrevista foi feita, o Tablado já tinha 24 anos de atividades. Em 1950, Maria Clara tinha ido a Paris, depois de ganhar uma bolsa para estudar teatro. Ao retornar ao Brasil, inspirada pelas ideias e experiências na Europa, reuniu amigos e fundou o Teatro Amador O Tablado, em 1951. No depoimento, ela revela que o nome foi atribuído um pouco mais tarde, depois de algumas apresentações, por sugestão do cenógrafo e diretor teatral Martim Gonçalves, que integrava o grupo.

Também professora

Depoimento de Maria Clara Machado ao Serviço Nacional de Teatro. (Dossiê fotográfico. Per.AC Maria Clara Machado. Acervo Funarte/Cedoc)

A primeira peça de Maria Clara foi O boi e o burro a caminho de Belém (1953), um auto de natal. Ela foi encenada para as crianças do Patronato, com grande sucesso. A crítica teatral Claude Vincent, do jornal A Tribuna da Imprensa, descreveu o espetáculo como maravilhoso e acabou se tornando amiga e incentivadora do grupo.

Maria Clara também conta sobre sua passagem como professora do Conservatório Nacional do SNT – a convite de Sadi Cabral, que procurava um substituto temporário. Por três meses, ela ministrou um curso, no qual mesclava as técnicas aprendidas em sua passagem pela Europa. “Foi aí que eu descobri que eu não tinha que ser atriz só não, na época. Que eu era também, talvez, uma professora. E isso foi excepcional para minha carreira mesmo de diretora, porque foi aqui no Conservatório que eu conheci os meus futuros atores”, conta Maria Clara Machado.

Para ela, O Tablado contribuiu para o reconhecimento e valorização de muitas carreiras ligadas à cena (como a de contrarregra, figurinista e profissional administrativo e outras). Em seus primeiros anos, o Tablado “era uma grande curtição”, contou – o que teria favorecido a qualidade artística das produções que garantiram o sucesso do grupo.

Grandes obras para o público infantil

Depois da saída dos primeiros colaboradores, como Martim Gonçalves, Cláudio Corrêa e Castro e Rubens Corrêa, entre 1958 e 1964, e a consequente necessidade de renovação, o Tablado encontrou a sua vocação de teatro-escola. O período coincidiu com a preponderância do teatro infantojuvenil na escolha do repertório, pois os espetáculos para as crianças passaram a ser uma importante fonte de renda para a manutenção do grupo – segundo Maria Clara.

Sobre a estreia de Pluft, o fantasminha, sua obra mais conhecida e exaltada, de 1955, a artista rememorou na entrevista que o ensaio foi horrível. No dia seguinte, surpreendentemente, tudo funcionou muito bem. Nem mesmo ela fazia ideia que o espetáculo seria tão belo e comovente. “Eu lembro que estava sentada na escada e olhava… E esqueci que era minha a peça e eu comecei a chorar, olhando.. Que bonito que é. E era bonito mesmo”, contou.

Depoimento de Maria Clara Machado ao Serviço Nacional de Teatro. (Dossiê fotográfico. Per.AC Maria Clara Machado. Acervo Funarte – Centro de Documentação e Pesquisa (Cedoc)

Bárbara Heliodora avaliou que Pluft, o fantasminha poderia ser considerado, já na época do depoimento, um dos clássicos do teatro brasileiro, juntamente com O auto da compadecida, de Ariano Suassuna. Em resposta ao crítico Yan Michalski sobre a evolução de seus textos, Maria Clara Machado revelou que seu trabalho evidenciava a sua evolução psicológica. A peça A menina e o vento foi escrita após a autora iniciar psicoterapia. Para ela, o texto representava o processo psicológico de “ruptura” que então vivenciava. Assim como o vento, em seu texto, funciona como ferramenta para afastar a autoridade, “desmanchar tudo”, a dramaturga também se rebelava contra certas formas de agir e de pensar. “É a Maria Clara rompendo com a estrutura antiga, velha, cheia de preconceitos”, declarou.

Público adulto e outras atividades

Maria Clara Machado também escreveu peças para o público adulto, como As Interferências (1965) e Os Embrulhos (1969). O texto Número de referência foi encenado por Sérgio Britto na TV. Já Um Tango argentino (1972) foi idealizada por ela como uma obra para adolescentes, mas montada como espetáculo de teatro adulto.

Como gestora do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, implementou uma programação gratuita aos domingos de manhã, quando havia apresentações de música e dança. Também atuou como Diretora do Serviço de Teatro da Guanabara e diretora do Conservatório Nacional de Teatro.

Acesse mais informações sobre o acervo do Cedoc – Funarte nos links abaixo:

Pesquisa: Cedoc
Edição: CCOM

Funarte

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