A Fundação Nacional de Artes – Funarte homenageia as cantoras e compositoras Zilah Machado e Dona Ivone Lara, duas grandes referências do samba, nesta terça-feira, dia 13 de abril. Se estivessem vivas, elas estariam aniversariando. D. Ivone Lara completaria 99 anos e Zilah Machado, faria 93. Para enaltecer o talento dessas divas do samba, a Funarte presta uma homenagem a elas, neste dia especial.
Dona Ivone Lara
A cantora, compositora e instrumentista Yvonne Lara da Costa nasceu em 13 de abril de 1922, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Mãe cantora, pai violinista e tios músicos reforçaram ainda mais o talento da jovem sambista. As rodas de choro organizadas na casa de seu tio Dionísio Bento da Silva e a interpretação de sua tia Teresa das cantigas (jongos) de escravos negros foram referências na musicalidade da artista.
Após a morte do pai, mudou-se com a mãe para a Tijuca, Zona Norte da cidade. Estudou no internato Colégio Municipal Orsina da Fonseca. Teve aulas de música erudita com Zaíra de Oliveira e Lucília Villa-Lobos, que a indicou para o Orfeão dos Apiacás, da Rádio Tupi – regido pelo maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Dessas relações teria resultado a sofisticação melódica e harmônica reconhecida em suas obras por críticos.
Aos 12 anos, Yvonne Lara compôs Tié – nome de um pássaro que lhe foi dado de presente pelo tio Mestre Fuleiro. A denominação da ave e a expressão moçambicana “oialá-oxa” inspiraram esse primeiro trabalho, parceria com seus primos Fuleiro e Hélio. Aos 17 anos, foi morar no subúrbio de Inhaúma com seu tio Dionísio, com quem aprendeu a tocar cavaquinho.
Inscreveu-se no concurso da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e, aprovada, passou a receber uma bolsa, que a ajudava no sustento da casa. Quando se formou, em 1943, assumiu função de plantonista de emergência. Nas horas de folga, participava das rodas de choro organizadas na casa do tio, com a presença de Pixinguinha (1897-1973) e Jacob do Bandolim (1918-1969).
Em 1945, a jovem decidiu fazer um curso para se tornar assistente social. Foi contratada pelo Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, no qual permaneceu por 30 anos, até se aposentar. Especializou-se em terapia ocupacional e trabalhou no então chamado Serviço Nacional de Doenças Mentais, que funcionava no local, coordenado pela psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999).
Priorizando sempre o trabalho de enfermeira, Yvonne programava suas férias para fevereiro, para poder participar dos desfiles de Carnaval. A artista passou a frequentar a escola de samba Prazer da Serrinha, para a qual compôs, em 1947, Nasci para Sofrer, canção com que a escola desfilaria naquele ano. Com o fim da escola Prazer da Serrinha, foi para a Império Serrano – agremiação para a qual compôs alguns sambas, mas sem perspectiva de se profissionalizar na música. Foi dessa época a canção Não Me Perguntes, considerado o hino oficial da escola, parceria com Mestre Fuleiro. Foi a primeira mulher a integrar a Ala dos Compositores da Império e, juntamente com Bacalhau e Silas de Oliveira (1916-1972), assinou o samba-enredo da agremiação Os Cinco Bailes da História do Rio, que comemorava os 400 anos da cidade.
A tradição das escolas de samba reserva às mulheres o papel de “pastora”. Cabia a estas memorizar a letra e entoá-la na quadra, em meio à batucada. A sambista rompeu essa barreira, mas intensificou o timbre e a dicção do canto das pastoras. Até o fim da década de 1960, a atuação artística da cantora estava restrita à comunidade carnavalesca. Mas seu público ouvinte se ampliou, a partir de apresentações nas rodas de samba do antigo Teatro Opinião, em Copacabana, Zona Sul da Capital Fluminense. Desde 1968, Yvonne desfilou na ala das baianas da Império Serrano.
Em 1970, adotou o nome artístico de Dona Ivone Lara. Neste mesmo ano, participou do disco Sargentelli e O Sambão, gravado ao vivo, com as faixas Agradeço a Deus e Sem Cavaco Não, ambas feitas em parceria com Mano Décio da Viola (1909-1984). A gravação de discos consolidou a carreira de Dona Ivone Lara, que foi identificada pela crítica, na década de 70, como uma das melhores compositoras de samba do Brasil.
A artista fez o seu primeiro show solo em 1974, na antiga boate Monsieur Pujol, produzido pelos jornalistas e produtores culturais cariocas Sérgio Cabral e Albino Pinheiro. Com Délcio Carvalho (1939-2013), seu parceiro mais constante, compõe Samba Minha Raiz (1976), Acreditar (no mesmo ano) e Sonho Meu (1978). Por essa última composição, recebeu o Prêmio Sharp de Melhor Música. Em 78, lançou seu primeiro “long play”, Samba Minha Verdade, Samba Minha Raiz.
Grande parte das obras da cantora reforça a herança africana do samba de roda, do jongo e do partido-alto, como Axé de Langa (Pai Maior), de 1980, e Roda de Samba pra Salvador (1982). Essas obras evocam o universo musical dos morros cariocas de sua infância. Na década de 1980, a intérprete ganhou o apelido de Mãe de Angola. Iniciou sua carreira internacional para divulgar seu LP Ivone Lara, na África e na Europa e em países como Japão e Estados Unidos.
No ano de 2012, foi homenageada como enredo da Império Serrano, sob o tema Dona Ivone Lara: o enredo do meu samba. Na ocasião, a escola disputava, no então chamado Grupo de Acesso, sua volta à Primeira Divisão do carnaval carioca.
Na Funarte, a memória da artista nos leva também à lembrança do Projeto Pixinguinha. Criado pela Fundação em 1977, ele reunia caravanas de artistas para percorrer cidades brasileiras em apresentações musicais. Por isso, nada melhor que relembrar passagens marcantes da parceria de Dona Ivone Lara com a Funarte, aqui, neste link
A cantora e compositora faleceu no dia 16 de abril de 2018, em um hospital no Rio de Janeiro, por insuficiência cardiorrespiratória. Seu corpo foi velado na quadra de sua escola do coração, o Império Serrano, e sepultado no Cemitério de Inhaúma, no Rio.
Zilah Machado
A cantora, compositora, percussionista e atriz Zilah Machado nasceu no dia 13 de abril de 1928, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filha de uma lavadeira, a artista teve infância muito pobre e cheia de dificuldades. Sua primeira e mais importante referência musical foi o compositor Lupicínio Rodrigues (1914-1974), que a conheceu ainda bebê, e previa: “essa menina vai ser cantora porque já chora afinado”.
A mãe de Zilah esperava que a filha se tornasse uma professora. Mas a veia artística falou mais alto. Tentou estudar canto lírico. Abandonou os estudos, devido à falta de dinheiro e ao preconceito racial – àquela época, ainda mais forte. Começou sua carreira como cantora na Capital Gaúcha. Logo se tornou “crooner” de formações orquestrais e conjuntos, interpretando músicas românticas.
Em 1962, embarcou com a orquestra do maestro Délcio Vieira para uma temporada de três meses na Argentina. Devido ao sucesso do grupo, recebeu a proposta de trabalhar no México. De volta a Porto Alegre, venceu um concurso musical e passou a substituir Elis Regina, na Rádio Gaúcha.
No ano de 1971, Zilah se mudou para o Rio de Janeiro. Continuou cantando na noite e se apresentando em programas de rádio e de TV. Para garantir o seu sustento, a artista cantava em coros, em duas gravadoras cariocas; e revezava suas atividades musicais com a de diarista.
Lançou, em 1979, seu primeiro LP, “Já se dança samba como antigamente”. Nele interpretou os sambas Manda embora a saudade, de Avarese; Eu não devia lhe procurar, de João Laurindo e Renato Araújo; Sonho na calçada, de João de Tal, Wilson Bombeiro e Anézio; No reencontro do bolero, de Neli Gonçalves; Juras de amor, de Matí e Malú; Sou Mangueira, de Pelado e Gibi; Não chore mais amor, de Luis Grande e Romildo; e O maioral da gafieira, de Nonô Criolo, entre outros.
Com o sucesso do álbum, recebeu o Prêmio Lançamento do Ano, do jornal Copacentro, e também o o titulo de “Cinco estrelas da noite do Rio”.
Em 1980, participou dos filmes Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, Quem matou Pacífico e As manicures. Atuou nos espetáculos teatrais A volta de Araraí e Sem tua presença. Participou da novela A cabana do Pai Tomás, na antiga TV Tupi. Ainda na Cidade Maravilhosa, cantou ao lado de Cauby Peixoto e do apresentador Osvaldo Sargentelli, no Hotel Nacional.
A sambista retornou à Capital Gaúcha e passou a cantar em casas noturnas. Em 1988, lançou seu segundo LP, Lupiciana, no qual homenageava seu mestre, Lupicínio Rodrigues. No mesmo ano, recebeu a “Medalha Cidade de Porto Alegre”, conferida pela Prefeitura Municipal, criada pelo artista plástico Nelson Jungbluth.
Em 2000, Zilah lançou o seu terceiro CD Passageira da nave dos sonhos, com composições próprias. Seu último disco digital, Ziriguidum (2009), foi sucesso de público e crítica. Com este trabalho, a artista ganhou menção especial no Prêmio Açorianos da Música 2010, nas categorias Melhor Disco, Melhor Produtor Executivo e Melhor Intérprete. Por essa conquista, recebeu homenagem especial da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre. Em setembro daquele ano, fez sua última apresentação musical, no famoso Theatro São Pedro, na Capital.
A cantora Zilah Machado faleceu no dia 7 de janeiro de 2011, em um hospital de Porto Alegre, por conta de um câncer no fígado. O corpo da compositora foi velado no Teatro Glênio Peres, da Câmara de Vereadores de POA, e sepultado no Cemitério Jardim da Paz.
Com informações do Projeto Brasil Memória das Artes – Funarte, da Enciclopédia Itaú Cultural e
do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira