Encontro Rede Funarte Ibero-Americana de Dança – Mesa 5

Luz Cárdenas – Peru: o valor da tradição e a importância da transformação

Luz Fabíolas Cárdenas fez um resumo da ação de política para as artes do Ministério da Cultura do Peru, instituído em 2010. Ela elogiou a criação de uma secretaria para indústria cultural e artes. “O Peru tem cerca de 1500 danças populares”, informou, destacando que as políticas para a dança em seu país são pautadas segundo o valor dessas artes como patrimônio imaterial. “ Algumas dessas manifestações são classificadas como patrimônio da humanidade”. A diretora mostrou sua predisposição para desenvolver estrategias, direcionadas não só a essas danças, mas também às linguagens clássica e contemporânea. “Nosso Ministério da Educação faz um trabalho relacionado às danças folclóricas, com concursos para os alunos, também ligado às escolas de artes cênicas; e, ainda, desenvolve, junto ao Ministério da Cultura, um programa de formação de público e de artes cênicas. Cinco elencos de folclore são patrocinados pelo Estado, entre eles o de danças tradicionais, o de ballet e o de música”. Mas relatou que há ainda dificuldades para se ter espaços para o ballet clássico – destacou o Teatro Municipal de Lima, que tem sua própria companhia – e que no Peru não há tantos espetáculos contemporâneos quanto se poderia ter, com predomínio, ainda, da valorização das danças tradicionais. “A dança folclórica é muito importante. Mas a dança contemporânea permite criar e transformar”, opina.l

Segundo a gestora, a Escola de Dança da Universidade de S. Marcos tem seu próprio grupo e forma muitos profissionais, mas não há como absorvê-los completamente no mercado. Luz deu a entender que a atividade estatal peruana relacionada à dança reúne programas e projetos dirigidos a resultados imediatos. Dentre eles, destacou os 157 pontos de cultura do país, que promovem desde a dança urbana até a contemporânea. Mas demonstrou que há um direcionamento estratégico: “Estamos também criando um sistema nacional de difusão artística”, concluiu.

Marc Olive – Espanha: gerar e conectar diversas platéias, dialogar com o público e manter continuidade

Marc Olive, programador do teatro Mercat de les Flors fez uma análise de possibilidades de trabalho de formação e relacionamento com as plateias, a partir da relação entre alguns projetos europeus e um olhar sobre sua evolução. “Temos que pensar no público com a mesma intensidade com que pensamos nos artistas, em diálogo constante com ambos”, sintetizou. Ele citou o Mercat e seus intercâmbios, especialmente com a França. Destacou a preocupação com a formação; a independência; e o foco no desenvolvimento de um espaço com credibilidade. “Nos primeiros quatro anos, vimos que informações eram perdidas. Por isso, procuramos acumular dados”, disse Marc. Ele frisou, ainda, que as ações para o setor artístico devem fazer parte de um programa que tenha tempo para ser desenvolvido. “É importante que os projetos contem com uma base estrutural – condições para se aperfeiçoar e progredir – e continuidade, para que possam ser constantemente repensados. Olive elencou diretrizes dos programas europeus, tais como: programações para as escolas, do maternal à universidade; projetos dirigidos ao aprimoramento das pessoas, buscando suas capacidades e habilidades, para desenvolvê-las; planos específicos para professores; para profissionais; e para formação de público.

Como exemplo, citou o projeto francês Danse au corps – “Dançar com o corpo”, em que crianças e adultos começa a atuar a partir do corpo e com ele forma uma identidade. “A dança lá é trabalhada de forma transversal na escola, também através de intervenções. Grupos e famílias envolvidos na proposta chegam cedo às salas de espetáculos, recebem informações e fazem exercícios artísticos de corpo. Oficinas preparam as pessoas para uma apresentação, num teatro importante, no final do ano”. O artista comentou que 16 estúdios de dança da União Europeia têm um convênio, para fazer “tudo que não podem fazer sozinhos”, com intercâmbio, nos vários países. “Criamos modelos para pesquisas, residências, produção e exibição, para um programa de apoio de dois anos. O conectamos também com a formação musical”, comenta. As ações são combinadas com teatro, ópera e shows musicais, o que “para gerar e conectar diferentes públicos”. “A dança sempre foi um polo aglutinador de outras artes. Devemos aproveitar esse fato”, considerou. “O sistema de venda de ingressos funciona como um grande banco de dados”, completa. Ele registra as preferências e leva à previsão aproximada do que o público pode querer assistir. Os realizadores chamam de “embaixador” quem assiste a muitos espetáculos. “Ele se torna um divulgador natural”, explica, acrescentando que, nesse aspecto, a difusão não é só em quantidade de plateia, mas atua com “qualidade” (perfis mais específicos). Com isso, conseguem atrair quem assiste a obras conhecidas para outras montagens, outras, menos difundidas. “Para formação e relacionamento com o público, é importante o acompanhamento. Também é interessante que as temporadas tenham temáticas” – o que facilita o direcionamento para públicos definidos.

Marc Olive apresentou a European Dancehouse Network (EDN), um conjunto de redes, que funciona como um coletivo de ajuda mútua e influência, em prol da dança. Ela mantém diálogos com os governos, para gerar e dinamizar oportunidades e espaços. “É possível realizar projetos nessa rede a partir de vários países do mundo”, expôs

“Os espaços de criação e de oficinas devem ser concebidos também como lugares para o erro”, argumenta, acrescentando que muitas vezes se dá importância somente a resultados, produtos finais, mas que, para a geração de plateias e aproximação com elas, deve-se considerar as atividades e os espaços com um sentido de experimentação”, concluiu.

Octavio Nassur – Curitiba (PR): formação de plateia como envolvimento – oportunizar, agregar e instigar

Além ter criado e coordenar o FIH2 (Hip Hop), Octavio Nassur é o coordenador nacional nacional do MBA em Dança – Gestão e Produção Cultural da Faculdade Inspirar (Curitiba – PR). Sou um entusiasta dos festivais e dos pontos de encontro”, revelou, citando exemplos de três grandes eventos nacionais de seu estado: o Festival de Teatro de Curitiba, o Festival Folclórico de Etnias do Paraná e a Bienal Internacional de Dança de Curitiba.

Sobre a questão da formação de público, citou Benjamin Franklin: “Diga-me eu esquecerei. Ensina-me e eu poderei lembrar. Envolva-me e eu aprenderei”. A frase ilustrou casos concretos, como a Mostra de Dança Infantil, que envolve alunos de pequenas escolas de dança e investe em sua formação.

O palestrante demonstrou que a difusão artística funciona como uma espécie de “contágio”: “Quem se contamina com algo positivo quer contaminar outros. O entusiasmado consegue entusiasmar. Alguém crê no que você faz se perceber que você acredita muito”. O professor definiu várias instâncias de cultura que devem ser consideradas, na gestão de políticas e programas e em seu direcionamento para a formação de público, tais como: as empresas; as secretarias de cultura; as escolas; e o terceiro setor. Octavio estruturou a estratégia em três eixos: oportunizar – esforçar-se para criar pontos de convergência; agregar – despertar a percepção de valor e necessidade; e instigar – criar curiosidade, além de construir novas plateias.

Para Octavio, criar uma percepção da sociedade é fundamental para conseguir formar e ampliar público. Enfatizou a necessidade da visão de comunicação, e lembrou a clássica definição: “comunicar” não é conceber o que se diz, mas sim “o que o outro entende”. Ilustrou a frase com uma experiência própria: a de criar e difundir o Festival Internacional de Hip Hop. “Até chegar a ter bons patrocinadores, houve grandes desafios: preconceito externo, preconceito interno e necessidade de gerar mais oportunidades, junto ao terceiro setor; desenvolver uma cadeia produtiva; despertar interesse nos novos públicos; e “apropriar-se” de espaços (antes restritos a certos públicos). Para organizar seus festivais, sua equipe planeja desde o design do ambiente, até um projeto de relacionamento com o público; busca inovação; e desenvolve o projeto sobre alguns princípios: “propor, sugerir, instigar e convidar”.

Entre os vários casos de sucesso que citou, Octávio destacou um evento de cultura hip hop, no qual o público gerava a energia elétrica através de bicicletas. Num evento internacional, para recrutar professores de oficinas, lançou uma campanha pública na internet, na qual qualquer um poderia se candidatar. “Isso abriu espaço nas tradicionais ‘panelinhas’”, brincou.

Para organizar festivais, sua equipe faz uma série de estudos de gestão: estudo demográfico (que especifica os públicos-alvo); plano de negócios, plano de marketing e relatório de gestão de risco, entre outras peças. Segundo Octávio, esse conjunto de práticas dirigidas pelo profissionalismo, pelo entusiasmo, e pela visão de relacionamento e comunicação, chama a atenção, naturalmente, dos patrocinadores e sensibiliza os responsáveis pelos projetos dos governos.

Omar Orozco – Venezuela: modelos de difusão

O gestor do Centro Nacional de Dança da Venezuela começou sua palestra com um questionamento: “Achamos que somos independentes mas, direta ou indiretamente dependemos do estado ou das empresas privadas”. O diretor considera que a ideia de independência, juntamente com diversas outras, relacionadas ao individualismo, é fruto de um condicionamento ideológico do indivíduo, originário da família e da escola. “É preciso refletir mais sobre esse conceito de independência das iniciativas individuais”.

Em seguida fez um pequeno painel da dança em seu país: “Estamos estimulando as danças tradicionais vivas, decretadas patrimônio intangível nacional. Mas é preciso distingui-las das danças cênicas. Acho que é delas que devemos falar aqui. Orozco ilustrou a forma de gerir educação e cultura em seu país com a frase: “Inventamos ou erramos”, do educador venezuelano Simon Rodríguez. “Estamos inventando um país, onde possa ser valorizadas as suas riquezas – inclusive as culturais. Na nova constituição venezuelana, foram definidas missões para a educação e a cultura”, defendeu. Elas seriam cumpridas através de projetos como o da Escola Nacional de Dança da Venezuela. “Ela é um centro de formação e criação. Trabalha com três modalidades: tradicional, clássica e contemporânea”. A partir do segundo módulo de estudos, os bailarinos já recebem pagamento. O palestrante citou ainda a Universidade das Artes, que inclui dança, teatro, música, cinema e outras linguagens. “A instituição confere licenciatura e títulos de extensão”, informou.

Orozco destacou a recuperação de salas de espetáculo e a concessão de ingressos gratuitos, ou a preços populares, como ação de formação de público, praticada pela Venezuela. Citou o projeto “Coração adentro”, no qual facilitadores percorrem todo o país, para levar formação cultural e difundir as artes; fez referência ao Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e ao Sistema Nacional de Culturas Populares; e ao Prêmio Nacional de Artistas. Citou ainda o Seguro Social para os artistas. Relatou que a política cultural em sua pátria é implementada também pelo “governo de rua”, que entra em contato direto com a sociedade.

Especificamente em relação à dança, apresentou como modelo uma grande academia estatal, que oferece cursos e oficinas e desenvolve sua companhia própria. “Mas lá os museus também têm espaço para a dança”. O palestrante disse que os espetáculos na Venezuela têm muito público, tanto nos teatros, quanto nas áreas públicas, ou nesses locais alternativos. Está sendo criado um programa sobre dança, numa rádio privada, em que haverá reflexão sobre o setor e agenda, entre outras coisas.

Orozco informou que a Venezuela quer criar redes internas e no exterior e que se tenta, lá, criar empresas que produzam material para dança.