A arte em diferentes segmentos – nos picadeiros, na web e nos pontos de cultura – foi o tema central dos debates nesta quinta-feira, 25 de setembro, durante o IV Encontro Funarte de Políticas para as Artes, no Palácio Gustavo Capanema, Centro do Rio. Neste segundo e último dia de discussões, o evento também apresentou experiências bem-sucedidas como a de um site de produção cultural e uma escola de formação de atores. Para debater sobre os diversos assuntos foram convidados: Bruno Gawryszewski, professor de Educação Física da Escola Nacional de Circo; Nayhara Fraga, mestranda em Memória Social pela UniRio; Charlaine Rodrigues, atriz e produtora cultural; Karla Martins, fundadora da Oficina Social de Teatro; Fernando Luiz Chagas, professor e mestrando em Política Social pela UFF; e Daniele Dantas, mestranda na Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
‘A constituição de saberes docentes entre professores de arte circense’
O professor Bruno Gawryszewski, da Escola Nacional de Circo da Funarte, apresentou o trabalho ‘A constituição de saberes docentes entre professores de arte circense’ que, segundo ele, surgiu de sua curiosidade de compreender como os docentes se entendem como docentes já que não existe uma formação acadêmica, nas universidades, e, historicamente, essa formação se dava através da própria experiência no circo. Atualmente, o corpo docente da Escola é dividido em dois grupos: os que são oriundos do circo famíia, pessoas que nasceram no circo, atualmente na faixa etária dos 60, 70 anos, cujo processo de formação e aprendizagem veio através do próprio trabalho no picadeiro; e o segundo grupo, pessoas na faixa dos 30, 40 anos, que se especializaram através de instituições formais de ensino, a maioria pela ENC.
No caso dos professores mais antigos, as entrevistas e depoimentos revelaram que, muitas vezes, eles não tiveram escolha. A carreira no circo foi imposta pela família, para manter a tradição. Apesar disso, os depoimentos demonstraram também o orgulho de ensinar a arte circense: “Eu quis ser professor para manter o nome da minha família no mundo do circo porque nenhum dos meus filhos quis seguir a carreira. Mesmo que os alunos não sejam meus filhos, eles vão dizer que a família Azevedo os formou”.
‘Diálogos entre a web arte e memória cultural’
Nayhara Fraga, mestranda em Memória Social pela UniRio, abordou o tema ‘Diálogos entre a web arte e memória cultural’. Segundo Nayhara, as pessoas ainda fazem uma certa confusão e acham que quando um artista transporta um trabalho – uma pintura, uma escultura – para o espaço virtual, para um site, isso seria web arte e não é. “A web arte seriam trabalhos mesmos executados para a plataforma virtual, onde o espectador seria peça desse trabalho, mesmo no ambiente virtual.” Diferentemente de observar e contemplar uma obra, como ocorre nos espaços tradicionais, na web arte, o artista tem que se preocupar em como manter o diálogo com o espectador, tornar a obra atrativa e fazer esse espectador clicar e interagir com o trabalho; senão vai ser simplesmente mais um site, onde o espectador não compreende a proposta do artista.
O grande problema, hoje, de acordo com Nayhara, é a fragilidade dessa ferramenta já que, depois de um tempo, grande parte dessas plataformas já não está mais disponível. “Os provedores, por exemplo, desaparecem com os sites. Então, como se pode trabalhar com o resgate da memória, do artista, se não tem mais a obra?”, questiona.
‘Boas Práticas’
Atriz e produtora, Charlaine Rodrigues inscreveu seu trabalho no eixo ‘Boas Práticas’, que abre espaço para a divulgação de projetos bem-sucedidos na área cultural. Em 2012, ela criou, em forma de blog, o site de produção cultural ‘Era pra ser Brígida’, com a proposta de publicar o seu portfólio profissional. Dois anos depois, e com o número de acessos cada vez maior, o conteúdo foi alterado e o site se tornou um espaço de divulgação de editais, de cursos e dicas tanto para artistas quanto para produtores culturais. Mantido com recursos próprios e alguns parceiros informais, o site alcançou 74 mil visualizações desde que foi lançado. A média mensal é de 5500 visualizações.
Outro trabalho inscrito no eixo ‘Boas Práticas’ foi a Oficina Social de Teatro (OST), de Karla Martins, arquiteta pós-graduada em Gestão Cultural. Fundada em 2000 por ela e por José Geraldo Demezio, professor e diretor de teatro pós-graduado em Artes Cênicas, a OST, escola de formação de atores em Niterói (RJ), é, segundo Karla, considerada referência em cursos de teatro na cidade. Em 14 anos de atuação, já formou quase mil alunos e realizou 58 espetáculos.
Ela explicou que a OST surgiu como uma inovação, tanto do ponto de vista da gestão quanto da metodologia de ensino. Desde o início, a escola foi gerida como uma empresa, numa época em que os poucos cursos de teatro oferecidos na cidade eram, em sua maioria, ministrados por atores ou grupos de teatro de maneira informal. De acordo com Karla, a preocupação com a gestão profissional do negócio levou os sócios a buscarem especialização em gestão cultural e estratégia empresarial. “O objetivo é fazer com que a OSB se torne líder de mercado em Niterói”, afirmou.
Os cursos da OST são voltados para quem deseja melhorar a comunicação interpessoal ou quer seguir carreira profissional. “Hoje temos seis turmas em andamento. Para 2015, a meta é abrir mais oito turmas, cinco no primeiro semestre e três no segundo. Sendo que, das seis deste ano, quatro continuam”, afirmou Karla, acrescentando que a empresa é auto-sustentável, não contando com patrocínios, somente com parcerias, entre elas UFF (Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense) e Sesc Niterói.
“Direitos humanos a partir da política cultural – o caso do Ponto de Cultura Rural”
Fernando Luiz Chagas, professor e mestrando em Política Social pela UFF, apresentou seu trabalho acadêmico sobre “Direitos humanos a partir da política cultural – o caso do Ponto de Cultura Rural”. Coordenador do ponto de cultura “Tribal – Sobre Rodas da Animação”, em Cabo Frio (RJ), ele elogiou a Funarte pela iniciativa de promover o Encontro. “É importante abrir os espaços de diálogo com a sociedade civil, para as pessoas conversarem diretamente com os órgãos que fazem gestão de políticas culturais no Brasil”, disse.
Chagas falou sobre a relação do “Tribal – Sobre Rodas da Animação” com seu trabalho sobre direitos humanos. Afirmou acreditar que as políticas culturais podem fazer uma sociedade diferente da qual vivemos atualmente, mais justa. E explicou que o “Sobre Rodas da Animação” é um ponto de cultura itinerante, um caminhão que vira palco e viaja por algumas comunidades das cidades da Região dos Lagos, levando arte, como música, teatro, cinema. Nosso projeto visa levar produções já existentes da nossa associação (Tribal – Associação Cultural Tributo à Arte e à Liberdade) a essas comunidades”, contou.
Segundo ele, foi uma apresentação feita no Jacaré, bairro violento de Cabo Frio, que o motivou a repensar o papel dos pontos de cultura. “Entendi que a cultura centraliza, em grande parte, nossos direitos. Então, por que não entender as políticas culturais como um dispositivo que pode transitar na questão dos direitos humanos? Ela pode, sim”, afirmou.
“Indicadores e informações como ferramenta para a gestão das artes e da cultura”
Daniele Dantas, mestranda na Escola Nacional de Ciências Estatística (Ence) do IBGE, falou sobre as dificuldades que os produtores culturais têm em obter informações organizadas na área da cultura. Segundo ela, esses dados, se bem utilizados, ajudam no planejamento e gestão de projetos culturais. “Em média, 90% das informações que as instituições (públicas e privadas) usam estão em papel e muitas dessas informações são geradas em meio digital e passadas para o papel. Ou seja, poderiam ser processadas nesse formato, mas não são”, criticou.
Esses indicadores culturais, ressaltou ela, são muito importantes e deveriam ser usados com frequência. De acordo com o estudo desenvolvido por Daniele, a partir desse dados é possível acompanhar o planejamento, entender melhor o seu próprio projeto e também possibilitar esse entendimento por parte dos outros. “Mas a informação não vai fazer nada por nós se não soubermos usá-la”, avisou.
Daniele disse, ainda, que não só as informações oficiais precisam circular, mas também as dos produtores e gestores culturais. “Se entendermos que podemos trocar com os outros a informação que temos, a gente começa entender que ela é muito importante não só para gente, mas também para quem está a nossa volta, para que possamos potencializar nossos recursos”, explicou.
Acesse aqui a matéria sobre o primeiro dia do Encontro Funarte