MESA 4 – PRODUÇÃO E POLÍTICAS PARA AS ARTES
Mediadora: Ester Moreira, diretora do Centro de Programas Integrados – Cepin/Funarte
Na conferência A trajetória da Associação VSA do Brasil e o Programa Arte sem barreiras– 1990-2004, o sociólogo – especializado em acessibilidade cultural na UFRJ, em Gestão Cultural na UNB e em Movimentos Sociais na UFMG – e jornalista André Andries, contou a história do Arte sem barreiras e de sua experiência de dez anos como coordenador do programa. Fundada em 1988, por Albertina Brasil, então diretora executiva da Funarte, e Ritamaria Aguiar, a iniciativa teve como objetivo valorizar o artista com deficiência e mostrar que por meio da música, do teatro, das artes plásticas, da literatura e da dança é possível “resgatar o pleno potencial humano e produzir meios de interação”* entre as pessoas com deficiência e os demais cidadãos. André prestou reconhecimento ao pioneirismo de Albertina e lembrou a importância da Associação Very Special Arts Brasil (VSA) fundada pela assistente social, pós-graduada nos EUA em Administração de Programas Sociais e Lideranças Comunitárias. Em 1954, ela fundou a Faculdade de Serviço Social de Sergipe, que dirigiu, até 1959, e onde organizou festivais de artes e iniciou uma rede de troca de informações culturais e circulação de projetos. “Assim, criou o primeiro departamento de assuntos culturais universitários, modelo que se multiplicou” sublinhou o palestrante. Albertina ampliou essa ação, como vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura de Sergipe e como diretora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora – mesmo assediada pelo regime militar.
A rede cultural foi parceira importante da Funarte. Sua idealizadora faleceu num acidente de carro, em 2004, ano em que o Arte sem barreiras foi descontinuado. Com sede na Fundação, o programa era mantido pela VSA, através de parcerias público-privadas com o Ministério da Educação e, por algum tempo, com a Caixa. “A questão do artista com deficiência ainda tinha uma aura assistencial e personalista. Não havia lei específica, mas a luta por ela, baseada nos direitos humanos”, comentou André. Ele fez um painel sobre a iniciativa. Destacou a atuação dos bailarinos Rogério Andreolli, primeiro homem no Brasil a dançar numa cadeira de rodas (hoje na Pulsar Cia. de Dança) e Roberto Moraes (cadeirante que veio a integrar o Giradança) “o Arte sem barreiras” impulsionou experimentações estéticas valiosas – por exemplo, entre artistas cadeirantes e andantes”, pontuou. Citou o fotógrafo com deficiência visual Evgen Bavcar, esloveno, que influenciou outros criadores cegos no Brasil; Assis Aragão, tetraplégico que conseguiu se adaptar à pintura e à escultura; a produção de artistas surdos; entre outros, em várias manifestações artísticas. “É um legado de 16 anos, com obras de quase dois mil realizadores, em todas as linguagens”, enfatizou o palestrante.
Assim, ficou claro de que modo o Arte sem barreiras tornou-se modelo de ação cultural dirigida à acessibilidade. “Há cerca de dez anos não temos ações no gênero”, alertou o servidor. “Editais não alcançam programas de tão longa duração”. O programa tinha duas vertentes: a de educação e a de arte. “Foi uma das propostas que estimulou o conceito de arte-educação no Brasil”, disse – cuja ideia teve resistência: “As pessoas temem a educação pela sensibilidade, por causa do grau de revolução que ela pode provocar”, explicou; e lembrou que, criada a federação de arte educadores do Brasil, ela foi parceira da ação, na figura de Anna Mae Barbosa – primeira doutora da área no Brasil (orientadora da USP).
Projeto Inclusão pela Arte: acessibilidade das pessoas com deficiência auditiva
A fala seguinte foi de Thaissa Vasconcelos, da Associação de Amigos da Biblioteca Comunitária Oscar Romero. Pós-graduada em Gestão e Produção Cultural, com especialização em Políticas Públicas Culturais (UERJ), ela apresentou o projeto Inclusão pela Arte.
Considerada o primeiro equipamento cultural do Município de Mesquita (Baixada Fluminense) a Biblioteca foi fundada por jovens, em 1982, sem apoio governamental, só com a ajuda da comunidade. Depois batizada como Centro Cultural e cadastrada como ponto de cultura, ela conta com um pequeno teatro e é sede do grupo Cochicho na Coxia. Dirigido por Thaissa, o coletivo realiza apresentações, oficinas e outros eventos de arte, sempre com entrada franca, para reunir a comunidade e integrá-la ao espaço.
O Inclusão pela arte começou com a simples atuação de um intérprete de Libras (linguagem para pessoas com deficiência auditiva), para traduzir os espetáculos do grupo. “Percebemos a dificuldade deles para assistir a filmes e espetáculos teatrais e fizemos oficinas de introdução à Libras, e espetáculos com os clowns da Caravana da inclusão. Eles propagavam que as diferenças são positivas”. O grupo ganhou um edital da ONG Brazil Foundation e desenvolveu o Projeto Inclusão pela Libras, com foco nos Professores da Rede Pública de ensino. Thaissa acrescentou que o trabalho fortaleceu o movimento pela educação inclusiva – pelos direitos das pessoas com deficiência. Os artistas decidiram ampliar a ação para o público adulto. “Pensamos além: que os surdos também podiam fazer o espetáculo. Além disso, há, ainda, uma cultura singular das pessoas com deficiência auditiva, que deve ser mostrada” acrescentou a produtora. Assim surgiu o Inclusão pela arte, para o qual eles buscam patrocínio. “Mas os projetos inclusivos têm dificuldade de atender a cláusulas de sustentabilidade financeira. Por que isso é assim? Como fazer para ultrapassar isso?” questionou a produtora. A proposta tem sido inscrita em todos os principais editais, mas tem encontrado esse e outros empecilhos.
A seguir, foi realizada a palestra de José Maurício Moreira – pós-graduado em Acessibilidade Cultural (UFRJ); graduado em História e em Teatro e servidor da Funarte. Ele fez um resumo de sua monografia de pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFRJ: Edital Funarte Acessibilidade Cultural: pré-proposta de edital para uma política de acessibilidade na Funarte/MinC. O palestrante mostrou representações da pessoa com deficiência na história da arte. Foram obras de arte clássicas a elementos da cultura popular, com olhar de historiador – personagens com deficiência, da literatura e dos mitos. Citou desde a deficiência física até a singularidade intelectual. Citou exemplos, retirados da produção artística muito antiga, até ao audiovisual contemporâneo. “Comecei pelo teatro, desde a Grécia antiga e passei pelo cinema. Mas não seria possível abranger todas as áreas. De qualquer forma, percebe-se que, ao longo da história, a deficiência sempre levou à exclusão”. Os cegos, por exemplo, poderiam ser oráculos na antiguidade. Mas a deficiência geralmente é associada a distúrbios de comportamento, ou de moral, de forma preconceituosa. A pessoa com deficiência é vista como alguém que simplesmente ‘quer ser curado’. Isso apaga a ideia da diferença”, explica o autor.
Com a sugestão ele pretende contribuir para os avanços dos programas direcionados a artistas com deficiência. “Mas eu também questiono se o melhor caminho de execução é o do edital. A discussão sobre a política dos editais deve prosseguir. Mas, fora isso, temos indicado que sejam incluídos, nas ações já existentes, cláusulas relacionadas à questão [o que já começou a ser feito pela Funarte/MinC], além de pontuações especiais para projetos ligados à inclusão”, comentou. Porém, a proposta não prevê somente isso, mas também que deva haver espaço para que os projetos tenham, de fato, relação com a causa da valorização das pessoas com deficiência. “Por outro lado, não se pode padronizar as demandas delas, porque são diversas. Há diferenças entre os indivíduos, quanto à formação, a interesses e a opções. Isso deve ser considerado”, refletiu.
José Maurício citou, ainda, como referência, o programa Nada sobre nós sem nós, que possibilitou a cidadãos com deficiências – mentais e físicas – produzirem atividades culturais, em 2008, no Rio de Janeiro. A ação, realizada pela Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do MinC e a Fundação Oswaldo Cruz/LAPS, gerou uma série de oficinas nacionais para a indicação de políticas públicas, com apoio da Caixa. As conclusões desse trabalho propõem “desafios para as políticas públicas no sentido de ampliar sua visão sobre deficiência” e “a urgência da cultura se inserir nesse processo com maior afinco” (Castro, Fátima C. D. – UFBA – 2009).
A dança no Arte sem barreiras e os programas para a área
A mesa terminou com Andrea Chiesorin, com a fala Programa Arte sem barreiras / Comitê Estadual do Rio de Janeiro / Núcleo de Artes Cênicas: setor Dança Arte sem barreiras. A palestrante é assistente de direção na Angel Vianna Escola e Faculdade; bailarina e fundadora da Pulsar Cia. de Dança Contemporânea.
“As pessoas com deficiência devem se organizar polilticamente, para buscar novas conquistas e o atendimento às suas demandas; e estimular a criação de acessos, espaços e práticas apropriadas a eles. Por exemplo: a autodescrição cênica. A acessibilidade comunicacional deve ser criada já na concepção dos projetos. Mas a visão de acesso à pessoa com deficiência cria novos problemas, que têm de ser enfrentados pelos produtores culturais. Ela deve ser de acessibilidade artística”, opinou Andrea. Ela lembrou que, no Artes sem barreiras, havia diálogos sobre isso com os realizadores de todo o Brasil.
“Por outro lado, sempre se discute a questão de dificuldades quanto a orçamento dos projetos inclusivos. Na Funarte, o programa foi levado a grandes bancos e foi mostrada a eles qualidade – por isso se conseguiu patrocínio. Em 2004, Ano Iberoamericano da Pessoa com Deficiência, essa produção foi mostrada a representantes oficiais de vários países. O Arte sem barreiras foi, de fato, a grande referência para políticas do gênero. Hoje, é preciso ouvir as pessoas com deficiência, para repensar estratégias. Elas têm que ser incluídas nesse processo”, completou. A artista acrescentou que, na verdade, “nada sobre nós sem nós” é um lema antigo da causa pelos direitos desses cidadãos e deve balizar o planejamento de ações que os incluam.
MESA 5
Também as 14h, foi realizada a mesa 5, no Salão Deolindo Couto – 5º Andar do Palácio Capanema, a segunda mesa sobre produção e políticas para as artes . A mediação ficou a cargo de Maristela Rangel, coordenadora do Centro de Documentação – Cedoc/Cepin/Funarte. O tema Pontos de Memória: interfaces com a economia criativa foi desenvolvido por Aline Miguel, narradora de histórias, e pesquisadora em literatura e em educação, e por Tatiane Reis, relações públicas e produtora cultural do Instituto Abrapalavra. A palestra Vila Santo Antonio: um breve relato sobre memória e resistência na Amazônia foi ministrada por Camila dos Reis, bacharel e com licenciatura em Artes Visuais pela UFPA. A análise Espaços para a memória cultural: refletindo sobre política cultural em uma universidade pública feita por três conferencistas: Pablo Gobira, doutor pela Escola Guignard (UFMG); Fernanda Corrêa, graduanda na Escola Guignard (UFMG); e Karla Danitza de Almeida, graduanda da Faculdade de Políticas Públicas (UFMG). Já a coordenadora Geral do Instituto Imagem e Cidadania Marjorie Botelho falou sobre o Sobrado Cultural Rural – Bom Jardim (RJ).
Mestre em Estudos Literários pela UFMG e doutoranda em Educação pela UFF, Aline Miguel considerou que moradores de comunidades de baixa renda tem conquistado parcerias e apoio para desenvolver projetos culturais. A narradora de histórias contou sua experiência com grupos das comunidades com que trabalhou. Eles cederam o quintal de sua casa para eventos com contadores de história, música e outras atividades.
Natural de Belém (PA), Camila dos Reis mora no Rio e faz mestrado na UERJ. Ela comentou que no Pará há dificuldades para a atividade cultural. Ela fez um relato sobre o problema da desapropriação e das demolições na Vila Santo Antonio, em seu estado natal. A comunidade rural de médio porte, fica no município às margens da Rodovia Transamazônica entre Altamira e Anapu, no Município de Vitória do Xingu, ao lado do principal canteiro de obras da Usina de Belo Monte. Pesquisa de nossa reportagem apurou que, segundo a associação de moradores, uma Declaração de Utilidade Pública ordenou a desapropriação sumária de cerca de 25 imóveis da população, para a construção da Usina. Moradores têm direito a indenização, mas a maioria a considera baixa; e muitos não tem documentação das suas terras – porém, estão ali há mais de 40 anos. Como viviam da pesca ou do trabalho agrícola em fazendas, ficaram em situação de risco social. Teria sido formado um consenso na população: era preferível o reassentamento às indenizações. “Mas a demolição começou e muitas casas já foram abaixo”, informou Camila. “E o rio está sendo represado. As florestas lá está sendo devastada. Os rios estão virando lagos e as plantas, morrendo”, disse a palestrante.
A estudiosa comentou que a Vila sofre de carências de vários tipos e que, em 2011, houve um seminário em Belo Monte, para organizar projetos sociais. “Grupos de assistentes sociais fazem um trabalho junto aos jovens. Diante de tudo isso, a cultura tem que ser transformadora” disse Camila. Para melhorar o local, pessoas se uniram e buscaram apoio em cidades vizinhas. Como exemplo de ação, a conferencista citou um barracão de festas que, ao mesmo tempo, geria uma pequena produção de artesanato, era ponto de lazer, música e outras atividades culturais.
Mestre em educação pela UFF/RJ, Marjorie Botelho assinalou a dificuldade de transporte em Bom Jardim (RJ). Informou que a população local está em diálogo com o MinC para estimular a cultura na região. “Há, no município, um projeto em que se vai às casas dos moradores, para incentivar o hábito da leitura”, destacou.
IV ENCONTRO FUNARTE DE POLÍTICAS PARA AS ARTES
Rodada RJ
Dias 24 e 25 de setembro de 2014, das 10h às 18h
Palácio da Cultura Gustavo Capanema
Rua da Imprensa, 16 – Sala Portinari – segundo andar
Centro – Rio de Janeiro (RJ)
Mais informações
Fundação Nacional de Artes – Funarte
Centro de Programas Integrados
cepin@funarte.gov.br
* – Fonte: blog do programa