Nelson Sargento, ídolo do samba e da escola carioca Estação Primeira de Mangueira, abriu o projeto Memória Musical Funarte: em Canto e Conto no dia 24 de novembro, na Sala Funarte Sidney Miller – Rio de Janeiro. Na série de dez depoimentos musicados, a Fundação Nacional de Artes – Funarte entrevista artistas que fizeram a história da música brasileira, com entrada franca. A curadoria e as entrevistas ficam a cargo de Pedro Paulo Malta, coordenador do Canal Virtual Funarte e pesquisador musical.
Um dos mais respeitados compositores brasileiros, com 90 anos de idade – cerca de 60 dedicados ao samba – , Nelson Sargento mudou-se para o Morro da Mangueira, Zona Norte, aos 12 anos. O autor do clássico Agoniza, mas não morre compôs cerca de quatrocentas músicas – muitas delas parte da história da Estação Primeira de Mangueira. É também pesquisador da música popular brasileira, escritor e artista plástico.
“Este projeto vai trazer de volta para o povo o que é a Funarte. Eu a considero a casa do samba. Por aqui já passaram muitos artistas bons e vão continuar passando. Sambista é melhor no samba do que em contar história. Mas a gente conta; e passa para as pessoas o que tem para passar. Houve um tempo em que a polícia batia no sambista e acabava com as rodas de samba. O que me marca nesses anos de carreira é ver o samba e a música popular brasileira evoluindo. Isso me deixa feliz”, resumiu Nelson.
No depoimento, ele relembrou personagens históricos da sua escola do coração, como Cartola, Aluísio Dias, Xangô da Mangueira e outros. Contou histórias da Verde e rosa e de outras agremiações. Recordou sambas de terreiro que marcaram a música, das rodas do Estácio da Tia Ciata e outras. Reviveu músicas de outros compositores e suas; e os grandes sambas da Estação Primeira – “O samba-enredo não era quesito de julgamento”, comentou. Entre outras, ele cantou Ordenes e Farei (Cartola /Aluísio Dias); Agoniza, mas não morre (dele próprio), a famosa Exaltação à Mangueira (Enéas Brites da Silva / Aloísio Augusto da Costa) e Cântico à Natureza (ambas de 1955), dele, de Alfredo Português – o pai adotivo do compositor – e Jamelão (na autoria por ter sido intérprete). Foi o samba Cântico à Natureza que abriu a primeira edição do Memória Musical Funarte. A letra diz: “Brilha no céu o astro-rei/ Com fulguração/ Abrasando a terra/ Anunciando o verão/ Outono/ Estação singela e pura/ É a pujança da natura/ Dando frutos em profusão/ Inverno/ Chuva, geada e garoa/ Molhando a terra/ Preciosa e tão boa/ Desponta/ A primavera triunfal/ São as estações do ano/ Num desfile magistral”.
Nelson contou que Alfredo, pintor de paredes, ensinou a ele a profissão (que exerceu, de fato). O apelido de “Sargento” lhe foi dado pelos amigos, quando estava no exército. Quando saí de lá, só sabia fazer duas coisas: samba e pintura de paredes”, comentou. Mas o Português também fez música, – com Cartola, Nélson Cavaquinho e outros – e ganhou quatro sambas-enredo. Foi na casa de Alfredo que Sargento conheceu Cartola, Carlos Cachaça, Malvadeza, Aluísio Dias, Babaú, e outros gigantes. “Garanto que aprendi alguma coisa com eles. Me ensinaram muito. Eu é que aprendi pouco”, brincou Nelson – com humildade tão grande quanto seu talento. O artista descreveu como foi criado o “Samba do operário”, na casa do Português, por ele e por Cartola, cuja melodia foi completada por Nelson. Ele comentou a importância de Cartola para a Mangueira e para a música. “Fundou a escola, deu suas cores e seu nome; e a divulgou ”, disse. Reconheceu também a influência de Paulo da Portela na difusão do samba. Recordou que Carlos Cachaça, além de sambista de primeira e parceiro de Cartola, conseguiu benfeitorias para a comunidade, como uma escola pública – pedida por ele ao prefeito Pereira Passos, em visita à Mangueira, em 1934, e que existe até hoje. Citou ainda Nelson Cavaquinho – “Foi o maior boêmio do Rio de Janeiro. Era a pessoa que todo mundo gostaria de ter em casa. E, realmente, ao final das noites de samba, as pessoas o levavam para casa. E ele ficava no mínimo uma semana!”. Esses foram apenas alguns dos nomes que apareceram no bate-papo.
Nelson lembrou que foi fundada outra escola, do outro lado do morro: a Unidos de Mangueira, o que gerou rivalidade. “Mas todos os bons sambistas que apareciam lá o Carlos Cachaça aliciava e levava para a Estação Primeira, como Nélson Cavaquinho e o próprio Alfredo Português. Quando ele foi, eu fui junto, claro”. “As escolas sempre tiveram rixas, exceto a Mangueira e o Estácio. Havia até um ‘serviço de espionagem’ nos barracões para descobrir os enredos. Se uma descobrisse o da outra, até mudava o seu. Isso foi assim até Fernando Pamplona [1926 – 2013] do Salgueiro divulgar, no meio do ano [1963] o enredo Xica da Silva, quando abriu-se um modo de as escolas se confraternizarem”, relatou.
Estas são algumas das histórias contadas por Nelson Sargento que estarão disponíveis, na íntegra, em breve, neste Portal.
No show, o compositor foi acompanhado por Agenor de Oliveira (violão) e Ronaldo Mattos (percussão). Estavam presentes a diretora do setor responsável pelo projeto, o Centro de Programas Integrados da Funarte, Ester Moreira; a assessora do Gabinete da Fundação, Ana Amélia Velloso; a coordenadora de comunicação da Casa, Camilla Pereira; e Paulo Grijó Gualberto, coordenador-geral de planejamento e administração da entidade; entre outros servidores. “O Memória Musical Funarte representa que a Fundação Nacional de Artes é o lugar onde a preservação e difusão da história da nossa arte e cultura deve ser feita. Elas devem estar nas telas da Funarte”, disse Ester Moreira. “Aqui devemos colher, guardar e difundir a memória da música e de todas as artes. Nada melhor do que começar o projeto com Nelson Sargento e a Mangueira”, concluiu.
Sobre o Memória Musical Funarte: em canto e conto
Em bate papo aberto ao público, com entrada franca, grandes artistas contam e cantam obras de mestres que inspiraram suas carreiras musicais, no Memória Musical Funarte: em canto e conto. Os eventos são gravados, para registro e difusão no Portal da Fundação Nacional de Artes – Funarte (www.funarte.gov.br). Monarco, João Roberto Kelly e outros grandes nomes da música fazem parte da programação. Ela inclui dez depoimentos musicados, tendo cada um a duração de 60 minutos. Um tema norteará o repertório e a conversa, que serão entremeados. A programação de 2014 termina no dia 18 de dezembro.
“O que tem o samba, o choro, o jongo, o baião em comum com marchinhas de carnaval e o rock? Ao falarmos de Brasil tem tudo, principalmente quando lembramos trajetórias e histórias de nomes como Candeia, Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Jacob do Bandolim, Braguinha, Lamartine Babo, Luiz Gonzaga, Chiquinha Gonzaga, Raul Seixas e tantos outros. Foi para fazer o registro dessa mistura tão original que compõe a diversidade musical brasileira que a Funarte criou o projeto”, define Pedro Paulo Malta. Essa diversidade será eternizada nos depoimentos de artistas como Nelson Sargento, Monarco, João Roberto Kelly, Henrique Cazes, Déo Rian, Marcelo Caldi, Leandro Souto Maior, Zé Luiz, Maria Teresa Madeira e o grupo Casuarina. Eles falarão dos personagens da nossa música que inspiraram suas carreiras e homenageando-os; e interpretando suas obras mais representativas.
Memória Musical Funarte: em canto e conto
Série de depoimentos musicados
Calendário 2014: 24 de novembro a 18 de dezembro, às segundas, quartas, quintas e sextas-feiras
Sala Funarte Sidney Miller
Rua da Imprensa, 16 – Centro
Rio de Janeiro (RJ)
Horário: sempre às 18h30
Entrada Franca
Convite na bilheteria a partir das 17h
Confira as próximas atrações da série
24/11 – Nelson Sargento canta e conta a Mangueira
Aos 90 anos, o baluarte da Estação Primeira relembra sua infância na Mangueira e os sambas de terreiro que fizeram história na verde e rosa.
26/11 – Monarco canta e conta a Portela
Paulo da Portela, Chico Santana e Candeia são alguns dos personagens que passarão pela prosa e pelo repertório do líder da Velha Guarda da Portela.
27/11 – João Roberto Kelly canta e conta as marchinhas de carnaval
Os clássicos da folia e seus grandes criadores são os temas desse encontro com o compositor de Cabeleira do Zezé, Mulata iê-iê-iê e Maria Sapatão.
28/11 – Henrique Cazes toca e conta Waldir Azevedo
O compositor de Brasileirinho, Pedacinhos do céu, Delicado e outros clássicos do choro é o assunto da conversa com esse que é um de seus maiores discípulos.
01/12 – Déo Rian toca e conta Jacob do Bandolim
Aluno de Jacob, o bandolinista DéoRian traz o seu regional para relembrar causos e choros do grande mestre do bandolim brasileiro.
03/12 – Marcelo Caldi canta e conta Luiz Gonzaga
Autor do CD/livro Luiz Gonzaga: tem sanfona no choro (premiado pela Funarte em 2012), o sanfoneiro, cantor, compositor e arranjador carioca faz sua antologia do Rei do Baião.
04/12 – Leandro Souto Maior canta e conta o rock brasileiro
Raul Seixas, Os Mutantes e outras lendas do rock nacional entram nesse baile comandado pelo guitarrista e crítico musical Leandro Souto Maior, aqui acompanhado de sua banda Fuzzcas.
05/12 – Zé Luiz canta e conta o Império Serrano
Líder da Velha Guarda do Império Serrano, o compositor fala do morro da Serrinha, do passado jongueiro de sua escola e de sua relação com o genial Silas de Oliveira.
17/12 – Maria Teresa Madeira toca e conta Chiquinha Gonzaga
Os choros e as inúmeras batalhas da “maestrina” revivem no piano e na conversa com uma das maiores especialistas em sua obra.
18/12 – Casuarina canta e conta Sidney Miller
Surgido nos anos 60 e precocemente falecido em 1980, o compositor – que dá nome à Sala Funarte do Rio de Janeiro – tem seus sambas relembrados pelo jovem conjunto carioca.
Realização: Fundação Nacional de Artes – Funarte
Centro de Programas Integrados
Ministério da Cultura
Ficha técnica – Concepção: Kathryn Valdrighi e Pedro Paulo Malta. Coordenação, curadoria e entrevistas: Pedro Paulo Malta. Produção: Tema Eventos Culturais. Assistência de produção: Carla Mullulo. Operação de câmera Funarte: Márcia Francisco e Gabriel Machado. Coordenação de Comunicação: Camilla Pereira. Design gráfico: Paula Nogueira. Produção gráfica: Júlio Fado
Mais informações para o público
Canal Virtual/Funarte
(21) 2533 8090 – Ramal 233