Ricardo Tacuchian, Marlos Nobre, Edino Krieger e muitos outros compositores prestigiam abertura da Bienal de Música da Funarte

No concerto de abertura da XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea, foram tocadas peças encomendadas pela Funarte aos compositores Jorge Antunes, Paulo Costa Lima, Eli-Eri Moura e Liduino Pitombeira; além de obras de Alexandre Espinheira e Lucas Duarte – incluídas por estarem entre os contemplados com o Prêmio Funarte de Composição Clássica 2014.

Jorge Antunes: “luta” entre harmonia e a melodia

Precursor no Brasil da música eletrônica, Jorge Antunes tem vários livros e discos publicados. Seu nome aparece em importantes enciclopédias musicais. Obras suas são publicadas por editoras internacionais. Também cursou física. Sua Teoria cromofônica – sobre a correspondência entre os sons e as cores – desenvolvida em 1962, e publicada em livro em 82, tem recentemente despertado o interesse de pesquisadores e músicos de todo o mundo. Esse ressurgimento resulta dos avanços da ciência que estuda os fenômenos da sinestesia (característica que algumas pessoas tem de ver cores quando ouvem certos sons). Por causa da divulgação, na Europa, da teoria, o maestro foi convidado pela Associazione gli Amici di Musica/Realtà, de Milão, e pelo Instituto Musicale P. Mascagni, de Livorno (ambas na Itália), para ministrar uma série de concertos e palestras sobre o tema, em cinco cidades italianas.

Seu poema sinfônico Apoteose de Rousseau homenageia o pensador suíço e relembra a polêmica que, em meados do Séc. XVIII o envolveu e a Rameau – que preconizava e defendia a harmonia, com sua teoria, então revolucionária. Rousseau a atacava, afirmando: “A harmonização é inimiga mortal da melodia”. A obra de Antunes explora essa contenda entre os conceitos de a harmonia e a melodia.

Liduíno Pitombeira: instrumentos valorizados e evidenciados

O compositor cearense Liduíno Pitombeira, observou “É extremamente válido o processo seletivo das obras encomendada, que agora inclui os professores de composição, além de autores já consagrados nacionalmente. Acho que as duas modalidades, concurso e encomendas devem ser mantidas. Estas últimas valorizam a trajetória dos compositores; e reforçam a importância do concurso – cujo processo de escolha é muito rigoroso e com total sigilo quanto a autoria”. Pitombeira considera que a Bienal é um dos eventos do gênero mais importantes do mundo, por envolver tantos compositores, intérpretes e orquestras. “Eu, por exemplo, preparo meus alunos durante dois anos para ela. Nós a temos sempre em mente – e a outros concursos. É através deles que os compositores se projetam. E deles surgem as encomendas, o que aquece o ciclo”.

O artista iniciou sua obra encomendada, A Máquina do mundo a partir do poema do Drummond de mesmo nome, do livro Claro enigma. É uma peça para orquestra, na qual todos os instrumentos são valorizados e evidenciados. Nela, a “máquina do mundo” se apresenta para um transeunte e oferece tudo: riquezas, sabedoria… Mas depois se fecha, porque o sujeito rejeita essa imersão num ‘eu cultural’, por preferir manter sua personalidade. “No poema, o autor usa alguns elementos tradicionais, como a rima e o terceto. E tem intertextualidade. Essas duas características também estão na minha obra”, acrescenta Pitombeira.

Ricardo Tacuchian: “Para o autor e o intérprete, a hora da verdade é o palco”

“O importante é que os resultados das bienais sejam analisados a posteriori”, considerou o maestro, compositor e professor Ricardo Tacuchian. “Mas o grande mérito desta e das outras bienais é que elas vêm revelando um conjunto de compositores jovens – o que é bom: significa que há renovação. Quando eu era um jovem compositor, não havia isso. Era muito mais difícil ingressar na atividade. Hoje, quem acabou de sair da universidade tem essa chance de ter o seu trabalho visto, analisado, comentado e criticado, ao lado de compositores de carreira consolidada.

Tacuchian observou : “A música erudita, para se revigorar, tem que ser mostrada em espaços para que possa ser mostrada. Portanto, qualquer festival ou projeto destinado a divulgar a nova produção musical brasileira é válido. Afinal, a música erudita brasileira atual, contemporânea, só vai ter vida se estiver sendo apresentada em algum lugar. Não adianta escrever teorias sobre o assunto, porque a música tem é que ser tocada e, pelas suas qualidades intrínsecas, tem que conquistar um certo público. Essa conquista já é outro problema. Porque, não acostumado à música contemporânea, o público sente um certo estranhamento. Ele não é plenamente educado para receber a mensagem de uma música mais moderna. Porém, é justamente abrir essas oportunidades que forma o público. Mas não somente: também vai desenvolver o compositor – o principal crítico das obras. Ele é que vai ver o que funcionou ou não; e em que caminho ele vai persistir. Na música, para o autor e o intérprete, a hora da verdade é o palco”.

“E só há um modo de se formar platéias – de qualquer idade – e educá-las musicalmente: expor as pessoas à música. Esta, vai, assim, aos poucos fazendo parte da tradição e da cultura desse público. Dessa forma, ele terá critérios de comparação e escolha. Um compositor não escreve para todo o público, mas para um nicho. Assim como há autores com linhas composicionais diferentes, há públicos com interesses de recepção diversos. Eu, por exemplo, não me preocupo em compor uma música que seja de aceitação universal, mas sim que seja de interesse para um certo segmento, cuja visão estética coincide com a minha”, conclui Tacuchian.

Marlos Nobre: “Em cada concerto, coloco uma obra de um compositor jovem”

O compositor pernambucano, maestro e diretor da Orquestra Sinfônica do Recife, Marlos Nobre avaliou: “Foi muito boa a ideia incluir os professores de música na avaliação das obras encomendadas. Isso democratiza a votação, porque antes a comissão tinha menos integrantes. Hoje se vê um caleidoscópio da música brasileira: diversas tendências. É visível que não há uma orientação para uma ou outra corrente estética, além de grande diversidade regional. Achei maravilhoso isso”. O papel da Bienal é provocar o nascimento das obras. A grande força dela é mostrar a força e a amplitude da criação musical no Brasil. Mas o próximo passo seria uma tomada de consciência dos gestores de música de que há uma produção muito importante hoje, que precisa ir para a sala de concertos. A Bienal é a mostra. Mas, a partir daí, as obras não podem ficar só no papel. Como gestor da OSR, em cada concerto, coloco uma obra de um compositor jovem. Eles são de vários estados. Se cada regente de orquestra no Brasil fizesse isso, nós teríamos a ‘vitrine’ no concerto.

Sobre sua obra Furioso Marlos Nobre explicou: “O artista tem fases. Nos últimos 20 anos, não trabalho nem com a música tonal nem com a atonal, mas sim com o que eu chamo de ‘total cromático’. A música serial sistematizou o cromatismo, as 12 notas distintas. Já meu trabalho é com a ‘massa sonora mental’ – os sons que eu ouço e os que elaboro internamente. Antes de compor, amadureço o som na mente e, quando eu começo a compor, na verdade a música já está pronta. Normalmente, escrevo em dez, quinze dias. Além disso, uso a surpresa, o inesperado, o não calculado. Admito o acidente na música. Quando estou compondo e uma ideia vem, geralmente procuro assimilá-la – mas com um crivo consciente”.

Edino Krieger: a história da Bienal nas palavras do seu criador

“A Bienal nasceu modesta e, com o passar do tempo, ao contrário do que ocorre geralmente no Brasil, onde as coisas ficam mais velhas e vão sendo consideradas descartáveis e são esquecidas, a Bienal cresceu nesses 40 anos. Também em apoio financeiro”, avalia o maestro e compositor Edin Krieger (RJ). “No começo eram só 40 compositores. Hoje são quase mil inscrições e mais de cem são selecionados. Por isso, novos critérios foram criados. Mas tem funcionado muito bem. O resultado está aí!” Edino diz que, na verdade a Bienal não nasceu em 1975, mas em 1969. “Foi no Theatro Municipal, quando promovi o I Festival de Música da Guanabara. Foi o então Secretário de Cultura do Estado, Gonzaga da Gama Filho quem aprovou o projeto, Mesmo sem a concordância dos técnicos para aprovar o orçamento, foi ele quem tomou a decisão de dar continuidade ao programa. Ele disse que teria que ser anual, nos três primeiros anos, porque, caso contrário, as pessoas esqueceriam. E fizemos o festival em 1969 e 1970. Às vezes, alguém que tem o poder de decidir e toma uma decisão muda o rumo das coisas. Foi o que aconteceu. E foi o maior prêmio no país para a música de concerto. Depois, infelizmente o Gama Filho faleceu e o projeto ficou engavetado por cinco anos. Foi Mirian Dauelsberg, então diretora da Sala Cecília Meireles, que encontrou o projeto e me procurou. Ela assumiu a realização da primeira Bienal, em 1975, da qual fui o coordenador. Assim começou essa programação.

Paulo Costa Lima: “perfis diferenciados a cada bienal”

O compositor baiano Paulo Costa Lima diz que a forma de escolha dos indicados possibilita um retrato da produção composicional no Brasil. “Essa seleção é construída coletivamente. É positiva, não apenas por isso, mas também pela renovação dos escolhidos, gerando (tudo indica) perfis diferenciados a cada Bienal”. Costa Lima relata que participa ativamente das Bienais, desde 1983. “Foram 13 participações como compositor e uma como jurado. As bienais são, a rigor, a única política pública de criação musical de concerto. Melhoraram significativamente em profissionalismo e espírito republicano, considerando-se o orçamento dos últimos anos, e a seriedade da equipe que as mantém vivas e pulsantes”. O compositor acha que a Bienal precisa de mais investimento; de descentralização e anda de“potencialização permanente de grupos emergentes e estabelecidos, sem contudo, desativar o que está em boa florescência”. E sugere: “Deveria haver plataformas digitais para a criação de música de invenção no Brasil, que provocassem um debate continuo sobre os caminhos dos criadores e intérpretes. As escolas públicas, por exemplo, precisam descobrir que existe esse tipo de criação musical no país”.

Sobre sua peça Sete flechas: um batuque concertante, o autor diz: “O mito de criação da Bahia passa pelos festejos do 2 de julho, a guerra da Bahia,mas precisamente da independência do Brasil na Bahia. Por aqui, o futuro Imperador levantou a espada e bradou, em diversos outros lugares do país teve luta, mortes e sacrifício. Na Bahia, lutaram principalmente ‘os de baixo’, que entraram triunfalmente na cidade no dia 2 de julho de 1823. Esse dia representa a vitória de um sonho de nação onde o ícone é o caboclo e a cabocla”. Costa Lima acrescenta que, junto com tudo isso surge, no contexto da religiosidade popular, as entidades dos caboclos, “os donos da terra”, “mostrando um imaginário religioso aberto a tudo”. E acrescenta que sua peça busca transcrever esse imaginário em linguagem sinfônica, “e uma lógica musical onde tudo é possível”. E conclui: “Schubert, Juremas, Sete flechas e clusters tecem fios de uma mesma manhã musical”.

Eli-Eri Moura: continuidade das bienais

O compositor Eli-Eri Moura (PB) acha que é difícil para a Funarte fazer as avaliações e manter o  colegiado das bienais. “Vejo nos critérios de formação do colegiado a intenção de fazer as coisas do modo mais democrático possível, tentando não somente abarcar os compositores renomados (que não podem ser esquecidos), mas também dar oportunidades aos novos. Temos excelentes autores, que fazem pesquisas muito interessantes na área composicional”.

“Sempre que há mudanças de governos ou dirigentes de órgãos, preocupo-me com a possibilidade de a importância da Bienal não ser vista. O Brasil, diferentemente de outros países, é muito difícil a continuidade e a consistência de programas institucionais. Quando mudam os gestores, muitas vezes eles mudam tudo também. Mas a Bienal e o Festival de Música Nova em Santos, (SP), são os únicos festivais que tem se mantido ao longo dos anos – às vezes com dificuldades. E tenho certeza, pelo que vejo em outros países, que a Bienal é certamente o maior evento de música contemporânea na América Latina – com tantas obras e compositores. Tomara que permaneça sempre”, opina Eli-Eri.

O artista comenta sua obra: “Em todas as minhas peças, procuro fazer com que o público trafegue entre as várias dimensões da música, como timbre, texturas, densidade, ritmo – que se expressam também no micro e no macro. Isso talvez traga para a música as teorias recentes de universos paralelos, da física quântica. Assim foi em Apsis. Tradicionalmente a música tem tido seu discurso agenciado basicamente pelos conceitos de altura e ritmo. Procuro ampliar isso, não somente com narrativas musicais lineares, mas sim discursos que façam contraponto com as outras dimensões da música. Assim, a obra caminha, no intuito claro de causar impacto no ouvinte”, revela.

Sobre a XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea

Esta edição do festival apresenta, em dez concertos, 66 peças em estreia mundial, com a participação de um coro, orquestras, intérpretes em solos e em várias formações vocais e instrumentais, incluindo música eletroacústica. A Bienal faz, nesta versão, uma homenagem a dois expoentes da nossa cultura – Mário de Andrade, nos 70 anos de sua morte; e Hans-Joachim Koellreutter, no centenário de seu nascimento. A Bienal conta com o apoio da Academia Brasileira de Música e da Rádio MEC/EBC.

A escolha da Orquestra Juvenil da Bahia – Neojiba se deve, além da diversidade musical apresentada pelo grupo, ao trabalho que ele desenvolve, beneficiando cerca de 4,6 mil crianças, adolescentes e jovens, em seus Núcleos de Prática Orquestral e Coral. Ao lado da Orquestra Sinfônica Heliópolis (São Paulo – SP), a Neojiba é considerada uma das mais importantes formações da área de ação social no Brasil. É a primeira apresentação do coletivo no Rio de Janeiro, depois de concertos bem sucedidos na Europa e nos EUA.

A Bienal terá concertos todos os dias, na Sala Cecília Meireles, sempre às 17h, até dia 18 de outubro, com ingressos a R$ 10 (meia R$ 5). A apresentação de encerramento será no dia 19 de às 19 horas, na Sala Cecília Meireles.

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