Tônia Carrero: uma trajetória em destaque no Cedoc Funarte
Cinema, teatro, televisão e uma intensa atividade de empresária à frente de produções teatrais. As diversas frentes profissionais de Tônia Carrero estão representadas no vasto material que Centro de Documentação e Pesquisa (Cedoc) da Funarte sobre a atriz – falecida no último sábado (4 de março), aos 95 anos. Nas três pastas repletas de recortes de jornais e revistas desde a década de 1940, as críticas e resenhas sobre suas atuações dividem espaço com entrevistas e perfis que, quase sempre, apresentam a beleza estonteante de Tônia Carrero como uma das facetas de uma mulher apaixonada pela vida, pelo trabalho e pela cultura.
Como no suplemento dominical de uma edição do Jornal do Brasil em 1957, no qual a atriz cita seus autores literários preferidos (“Proust, Huxley e Faulkner”) e, em seguida, diz que tem prazer em comer milho cozido na Avenida Niemeyer (Leblon) e que adora ouvir “o barulhinho do aipo quando mastigado”. Ao ser perguntada se tem manias, responde que é Cecil Thiré, seu único filho, fruto de seu primeiro casamento, com o artista plástico Carlos ArthurThiré: “Minha mania é meu filho. Todos meus momentos disponíveis são para ele. Por vontade dele estou agora transformada em professora exclusiva de danças de salão.”
Por essa época, a atriz estava às voltas com os primeiros trabalhos à frente da Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA): empreendimento lançado em 1955, conforme noticiado pela revista A Cigarra, na edição de 24 de dezembro daquele ano, antecipando as qualidades pelas quais o grupo ficaria conhecido: “A futura companhia de Tonia Carrero já divulgou um repertório de fôlego, com peças de Shakespeare, Goldoni, Shaw, Sartre e Ionesco, com seu teatro de vanguarda.” Dali a pouco mais de uma década, a CTCA estaria brilhando em Lisboa, com uma montagem da peça “Seis personagens à procura de um autor” (Luigi Pirandello), que mereceu matéria na revista Manchete em 26 de fevereiro de 1966: “Nunca Pirandello terá sido mais bem entendido do público; nunca terá sido mais bem representado. Um clamoroso êxito coroou a estreia de Tonia em Portugal.”
Também dos anos 60 é a matéria intitulada “Uma estrela casa em Nova York”, publicada pela revista O Cruzeiro em 15 de fevereiro de 1964. Nesse caso, texto e fotos têm como tema o casamento de Tônia Carrero com o engenheiro e industrial Cesar Thedin – terceiro e último marido da atriz, após o já citado Carlos Arthur Thiré (de 1940 a 50) e o ator e diretor italiano Adolfo Celi (entre 1951 e 62). “Preferi casar-me em Nova York, numa cerimônia singela, longe dos amigos, parentes e admiradores, porque senti que era a Mariinha quem se casava e não a atriz Tonia Carrero”, disse a atriz, que permaneceria casada com Thedin até 1977. A matéria informa que a cerimônia ocorreu no Consulado Brasileiro em Nova York, tendo entre as testemunhas a própria cônsul-geralDora Vasconcelos, em cuja casa deu-se a recepção.
Já o trabalho de Tônia na televisão foi um dos temas abordados em uma matéria do Diário do Grande ABC, na edição de 16 de fevereiro de 1975. Em um trecho da entrevista, ela é categórica ao discordar dos colegas que colocam a TV num patamar abaixo do cinema e, especialmente, do teatro: “A televisão tem muito a ensinar a um ator: lá não é como no teatro, em que você se prepara meses para o espetáculo, de duas horas, ou mesmo no cinema. Lá, é um filme por semana e gravado em cima da hora, com toda aquela urgência da televisão. Além disso, existe aquele olho monstruoso da câmera aumentando tudo, fazendo um gesto simples parecer exagerado.”
Nas telenovelas em que atuou (desde 1966), Tônia Carrero deu vida às personagens mais diversas, com destaque para as ricas e charmosas. Uma das mais marcantes foi a socialite Stella Simpson, interpretada por ela em “Água viva” (trama de Gilberto Braga exibida pela Globo em 1980) e que lhe valeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como melhor atriz de TV naquele ano.
É dessa época o texto do cronista Rubem Braga (publicado na revista Domingo, do JB, em 5 de outubro de 80) no qual ele lança um olhar sobre a jovialidade da amiga, que àquela altura tinha 58 anos: “Fala-se muito no segredo da mocidade de Tônia. Prestem atenção: essa natureza generosa, o carinho que espalha por todos que a cercam, até ao mais humilde, é uma grande parte do seu segredo. Ser bom faz bem à alma, e à face, e nada envelhece mais que o estigma da mesquinharia gravado na cara: nada embeleza tanto quando a doçura interior. Tônia é toda bela.”
A beleza e o charme também estiveram entre os temas da matéria do jornal O Globo publicada em 18 de dezembro de 2002, sobre a festa de 80 anos de Tônia Carrero, no restaurante La Fiorentina, no bairro carioca do Leme. Assinado pela jornalista Adriana Pavlova, o texto traz aspas do cartunista Ziraldo (“É a mulher brasileira mais bonita do século”) e da atriz Marília Pêra (“Com ela aprendi a ser elegante e a ter charme no palco”), além da própria Tônia, que contava por que tinha desistido de esconder a idade: “Tenho quatro netos, dois bisnetos e muita história para contar. Por que fazer mistério, então?”
Cenas finais de uma carreira longeva e marcada pelo sucesso – como, aliás, Tônia ouviu de uma senhora parisiense lá no início de sua trajetória, no fim da década de 1940, conforme se lê numa folha datilografada de 1956, que traz um perfil da atriz assinado escritor Aníbal Machado, na qual trata Tônia pelo apelido de “Mariinha”, que era usado pelos amigos mais íntimos: “Há oito anos, no fim de um almoço, em Paris (estava presente o ator-diretor Roger Blin), a dona do bistrô – umamulher gorda de olhar contemplativo e cansado – dirigira-se a Mariinha: ‘Minha filha, Deus a conserve sempre assim… Você tem tudo a seu favor na vida.’”
Texto: Pedro Paulo Malta – Coordenação de Difusão e Pesquisa – Cepin – Funarte
Saiba mais sobre a atriz no Brasil Memória das Artes, da Funarte.