A história da Escola Nacional de Circo, sua reestruturação e o modelo do primeiro Curso Técnico em Arte Circense do país foram os temas abordados na manhã dessa quarta-feira, 4 de novembro, no Seminário “Desafios e Perspectivas para Formação em Artes do Circo”. Promovido pela Fundação Nacional de Artes – Funarte, na sede da ENC, no Rio de Janeiro, o evento contou com a participação de representantes da Funarte, da ENC, do Ministério da Cultura, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de escolas de circo de diversas regiões do país. Alunos da ENC fizeram intervenções artísticas na abertura e no encerramento do seminário.
A mesa de abertura contou com a presença de dirigentes da Funarte: Francisco Bosco, presidente; Reinaldo Veríssimo, diretor Executivo; Leonardo Lessa, diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen); Carlos Vianna, diretor da ENC; além da secretária de Educação e Formação Artística e Cultural do Ministério da Cultura (Sefac), Juana Nunes, e do professor da Unicamp Odilon José Roble.
Francisco Bosco iniciou sua fala parabenizando a Escola Nacional de Circo, pelos seus 33 anos, e os 60 novos alunos do Curso Técnico, vindos de diversos estados do país e do exterior. “Queria falar algumas palavras sobre educação. Até prefiro formação à palavra educação, porque a palavra educação tem uma certa carga normativa. E aquilo de que estamos tratando aqui não é meramente a aquisição de uma determinada técnica ou de um conjunto de regras. Quando a gente fala de formação, está falando de um processo muito mais complexo do que a aquisição de uma técnica, um processo que envolve sociabilidade e principalmente reconhecimento. Para que um sujeito se desenvolva plenamente, é preciso que ele tenha a sua inserção na sociedade reconhecida. E isso se dá no campo da formação. É pela formação que o sujeito pode se desenvolver, encontrar um lugar na sociedade e a sociedade reconhecê-lo. Só assim um pacto social digno desse nome pode funcionar”, afirmou.
Para o presidente, “o verdadeiro aprendizado é aquele em que o aprendiz aprende a fazer perguntas. Ao longo da nossa vida, temos de ter sempre em mente que na maior parte das situações chegarão a nós perguntas que já contêm, na verdade, respostas. Muitas vezes é preciso sempre perguntar uma pergunta”.
Em sua opinião, toda escola – e a Escola Nacional de Circo não é diferente, frisou – deve formar, antes de tudo, cidadãos. “Deve criar processos de sociabilidade e pensar a sociedade para muito além do campo de um conjunto de técnicas evidentemente necessárias ao exercício de um ofício”, explicou. Bosco propôs realizar futuramente, na ENC, uma discussão sobre a história do circo, como o circo se percebe enquanto linguagem artística frente às demais linguagens e como lida, por exemplo, com outras categorias importantes da história da arte, como por exemplo, o clássico, o moderno, o tradicional, o contemporâneo.
Sobre a ENC, ele prometeu melhorias, como manutenção da lona e aquisição de ventiladores e de novas caixas de som. “Quem tem experiência com burocracia sabe que entre o desejo e a realização tem milhões de etapas, algumas eventualmente intransponíveis, mas faremos o possível e o impossível para criar melhores condições para vocês trabalharem e receberem as pessoas”, disse à plateia, em sua maioria formada por professores, alunos e equipe administrativa da ENC.
Pela primeira vez na Escola Nacional de Circo, Juana Nunes, secretária da Sefac. “Estou conhecendo a Escola renovada. Enquanto assistia ao espetáculo, fiquei pensando: 30 anos de história são 30 anos de mestres da arte do circo que passaram por aqui e aqui estão, são alunos e aprendizes, pessoas que a estão construindo. Estamos, na verdade, num espaço que é patrimônio da cultura brasileira, do circo brasileiro e do circo mundial”, disse.
Segundo ela, o desafio no Ministério da Cultura tem sido pensar uma política de cultura integrada à política de educação. “Acreditamos que não haverá uma política plena de cultura, uma cidadania cultural de fato, se não garantirmos desde a primeira infância o direito pleno à educação. E esse direito tem que estar conectado com os direitos culturais. Porque, na verdade, ele é uma via de mão dupla. O grande desafio é demonstrar claramente que cultura e educação são partes fundamentais para o desenvolvimento cultural, econômico e social do país”, afirmou.
De acordo com ela, a política pública precisa garantir às escolas condições de funcionamento pleno, tanto na parte estrutural como na qualificação do corpo docente. Juana também aproveitou para anunciar o primeiro Seminário Nacional de Formação Artística e Cultural, que será realizado em dezembro e vai reunir formadores e escolas de artes de todo o Brasil, e falar sobre o programa Bolsa Artista, cujo projeto de lei tramita no Congresso Nacional.
O diretor executivo da Funarte, Reinaldo Veríssimo, ressaltou as recentes conquistas que permitiram à ENC chegar ao modelo atual, como a reestruturação interna pela qual a Escola passou em 2014, o convênio com o IFRJ e, agora, com a Unicamp. Ele também destacou o processo de recuperação pelo qual a Escola vem passando, inclusive a retomada da programação de espetáculos circenses abertos ao público.
O diretor do Ceacen, Leonardo Lessa, também lembrou outro ponto fundamental para o sucesso: a grande rede de parceiros, tanto internos como externos. Nesse sentido, destacou o papel de articulador do então coordenador de Circo da Funarte, Marcos Teixeira, e a parceria com o Grupo Off-Sina/Escola Livre de Palhaços (Eslipa). “Enfim, é uma rede grande e muito afetuosa que faz com que esse projeto siga e se amplie”, afirmou.
Representando o professor Marco Bortoleto (coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa de Artes Circenses da Unicamp), que não pôde participar do evento por estar em congresso na Áustria, o professor Odilon José Roble transmitiu recado de seu colega. “Eu noto como ele (Marco) está correto em sua observação ao falar da importância dessa parceria entre a Escola Nacional de Circo e uma grande universidade como é a Unicamp”, reconheceu.
Filósofo e pesquisador na área de dança, Odilon citou uma frase de Josué de Castro, geógrafo que foi professor da Unicamp: “O que caracteriza um país de primeiro mundo não é a abundância ou a escassez de recursos, mas a inteligência no uso dos recursos disponíveis”. “Então, se temos um lugar maravilhoso como este, uma universidade grande como a Unicamp e cada uma ficar no seu setor, sem projetos de colaboração, isso não é uso inteligente dos recursos disponíveis”, constatou, acrescentando que Marco Bortoleto vem desenvolvendo pesquisa sobre segurança no circo.
Curso Técnico em Arte Circense – A mesa seguinte, composta por Carlos Vianna, diretor da ENC, Bruno Gawryszewski, professor da UFRJ e ex-servidor da ENC, e Aline Dantas, pedagoga do IFRJ, abordou o modelo do novo Curso Técnico em Arte Circense, realizado em parceria entre a ENC e o IFRJ. Bruno trabalhou na escola de 2006 a 2014 e foi um dos responsáveis pela estruturação do curso técnico. Ele lembrou as dificuldades que teve ao chegar à Escola, para a vaga de professor de educação física, e contou que o principal desafio foi conhecer as necessidades dos alunos e mergulhar no mundo circense, universo bem diferente do ambiente das academias a que ele estava acostumado.
Convidado à época para compor, junto com Carlos Vianna, a coordenação pedagógica da Escola, Bruno explicou que, na época, a ideia era fazer da Escola Nacional de Circo uma instituição de ensino de excelência, uma vez que outras escolas já ofereciam a mesma formação. Para chegar ao modelo atual – explicou – eles pensaram em como poderiam consolidar os dois cursos oferecidos pela ENC: o tradicional, com três anos e meio de duração, e o voltado para bolsistas, com dez meses. O modelo precisaria, então, contemplar uma formação ampla e ter duração menor.
“Adotamos o formato com horário integral, com duração de dois anos e subsequente ao ensino médio, já que antes era concomitante. Foi preciso repensar e incluir novas disciplinas. Mas o maior desafio era transpor o conhecimento transmitido por via oral para um documento formal, contou. Em sua opinião, a instituição deu um grande salto qualitativo na formação de artistas circenses. Como desafio, ele sugeriu a realização de um novo seminário para daqui a dois anos com o objetivo de avaliar o Curso Técnico em Arte Circense.
Aline Dantas, do IFRJ, explicou como se deu o processo de construção e certificação do curso. “Quando a proposta chegou, a primeira coisa que pensei foi que tínhamos de respeitar as particularidades e o que já vinha sendo desenvolvido. Nossa preocupação eram os aspectos legais e pedagógicos”, disse. Segundo ela, foram analisados, entre outros pontos, plano de curso, histórico da escola, estrutura, justificativa, objetivos, grade curricular, ementas. Ela contou que estranhou tanto o tempo de aula das disciplinas – de 70 minutos – e a carga horária do curso, de quase 3.000 horas. Pela nossa experiência, seria um curso de ensino médio integrado, ou seja, ensino médio com formação profissional. Ao final, lançou um desafio: reavaliar o curso e seus processos em dois ou cinco anos e pensar na possibilidade de criar um curso de nível superior, tecnólogo ou bacharelado.
À tarde, foram lançados o programa Laboratório ENC e o blog da escola. Este servirá para divulgar as atividades realizadas pela Escola e também informações sobre o Curso Técnico em Arte Circense, aproximando o público externo do trabalho desenvolvido diariamente na Escola. Do debate sobre “Experiências formativas” participaram Fátima Pontes, Escola Pernambucana de Circo –Recife/PE; Sergio Oliveira, Escola de Circo de Londrina – Londrina/PR; Maneco Maracá, Escola de Circo Laheto – Goiânia/GO; Rogério Sette Camara, Spasso Escola de Circo – Belo Horizonte/MG;Anselmo Serrat, da Escola Picolino – Salvador/BA; Richard Riguetti, Grupo Off-Sina – Rio de Janeiro/RJ, além da pesquisadora Ermínia Silva, Unicamp – Campinas/SP.
Chamada Pública Laboratório ENC – O programa tem entre seus objetivos normatizar ações já realizadas pelaEscola Nacionalde Circo ao longo de sua história, dando maior visibilidade e transparência; consolidar a Escola como espaço de reflexão, experimentação e pesquisa nas Artes do Circo; proporcionar à comunidade circense práticas e experiências formativas que dialoguem com as diferentes perspectivas da arte contemporânea. Nesse sentido serão fomentados projetos de ocupação, residências artísticas e intercâmbios, todos realizados dentro da Escola Nacional de Circo.