Da Revista do Rádio aos EUA, as lembranças de Cauby Peixoto no Cedoc Funarte

Por Pedro Paulo Malta

“O Cauby Peixoto é um missionário. Veio à Terra para cantar.”

A frase, dita pelo próprio Cauby numa longa entrevista ao jornal Diário Popular (edição de 3 de abril de 1983), é duplamente reveladora: além da vaidade do artista (definindo-se na terceira pessoa), mostra que ele tinha a exata percepção de seu ofício: cantar, para ele, era uma missão. E foi com uma das vozes mais poderosas da música popular brasileira que ele conduziu toda sua trajetória artística – encerrada na noite de ontem, quando faleceu em São Paulo, aos 85 anos, de complicações de correntes de uma pneumonia.

Sua longa entrevista ao Diário Popular é um dos destaques do dossiê de periódicos dedicado a Cauby Peixoto que há no Centro de Documentação e Informação da Funarte – o Cedoc. Na matéria de duas páginas inteiramente dedicadas ao cantor (entrevistado por Anderson França, Edgard de Oliveira Barros, Marcelo Martini e Yeda Souza Dantas), Cauby faz uma revelação autocrítica (“Eu tenho inveja da voz do Nelson Gonçalves, do grave. É a tal coisa, a gente nunca está satisfeito”) e lamenta o reconhecimento aquém de suas expectativas: “Se eu estivesse na América seria um Júlio Iglesias, um Sinatra. Mas estamos no Brasil, não é?”

Entre as passagens de sua carreira, o cantor relembra o plano de divulgação traçado para ele pelo empresário Di Veras, personagem fundamental de seu lançamento artístico, na década de 1950. “Ele criava as notícias para os jornais, para as revistas, como prato feito. Então, ele criava uma espécie de sensacionalismo: ‘Quando o Cauby canta as meninas desmaiam’; ‘O Cauby segurou a voz em 3 milhões de cruzeiros’. E aquilo dava um momento de opinião. Alguns elogiavam e outros metiam o pau. E era exatamente isso que nós buscávamos.”

O início de sua carreira é lembrado em outra matéria do dossiê de periódicos de Cauby no Cedoc Funarte. Trata-se de um texto do jornal O Globo (edição de 19 de setembro de 1980) no qual o jornalista e pesquisador Sérgio Cabral recorre a seu vasto baú para estabelecer o marco inicial da carreira do cantor: “Uma das primeiras referências à carreira de Cauby Peixoto está registrada na edição de março de 1949 da Revista do Rádio. Babi de Oliveira, produtora do programa ‘A hora do comerciário’, da Rádio Mauá, deu entrevista sobre os novos valores que surgiam em seu programa e chamou a atenção particularmente para um artista: ‘Temos um rapaz, ótimo cantor de sambas, que assegura o seu êxito em qualquer dos nossos estúdios.’  O rapaz era Cauby Peixoto.”

Cabral destaca ainda o fato de a música ser uma tradição na família de Cauby, da qual faziam parte grandes nomes da geração anterior. Um deles era seu tio, o grande pianista Romualdo Peixoto – mais conhecido como Nonô, apelidado de “O Chopin do Samba”. Outro parente ilustre era o cantor Cyro Monteiro, seu primo, “um dos mais perfeitos de toda a história da música brasileira”, segundo Sérgio Cabral. Eram músicos também os quatro irmãos de Cauby: o pianista Moacir, o trompetista Araken e as cantoras Iracema e Andiara.

Já o crítico musical Tárik de Souza destaca no Jornal do Brasil (também em 19 de setembro de 1980) outras facetas da carreira de Cauby, como a de proprietário da famosa boate Drink, em Copacabana, e sua saga nos Estados Unidos, onde viveu na segunda metade dos anos 50. “Cauby Peixoto, de fato, em inglês era algo impronunciável. Por isso, imaginando tornar-se um acabado ídolo hollywoodiano, este niteroiense do bairro de Santa Rosa concordou em passar-se por Ron Coby. Gravou um disco nos EUA com a orquestra de Paul Weston, hoje uma raridade.”

É dessa época sua gravação de “Blue gardenia” (Bob Russell e Lester Lee), que se junta aos boleros “Conceição” (Dunga e Jair Amorim) e “Bastidores” (Chico Buarque) entre os grandes sucessos de sua carreira. Também da década de 1950 é a gravação, na voz de Cauby, de “Rock ‘n’ roll em Copacabana”, composição de Miguel Gustavo apontada como marco zero do rock brasileiro. Na Funarte, participou do Projeto Pixinguinha em junho de 1979, apresentando-se com as cantoras Zezé Gonzaga e Fátima Regina.

Clique aqui para ouvir o programa Estúdio F dedicado a Cauby Peixoto.

Clique aqui para ler sobre a participação de Cauby Peixoto no Projeto Pixinguinha, em 1979, e para ouvir a íntegra de seu show, ao lado das cantoras Zezé Gonzaga e Fátima Regina.

Leia mais sobre o cantor

Cauby Peixoto por Sérgio Cabral (O Globo, 19 de setembro de 1980)

Cauby Peixoto por Tárik de Souza (JB, 19 de setembro de 1980)


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