Seminário sobre conservação da fotografia tem início no Rio de Janeiro

O seminário Fotografia Digital Preservação e Fotografia, Periferia e Memória, organizado pela Fundação Nacional de Artes – Funarte em comemoração aos 30 anos do seu Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF), reuniu pessoas ilustres que contribuíram para a criação e manutenção do setor. Realizado no Museu Histórico Nacional, no Centro do Rio, o evento contou, no primeiro dia (21 de novembro) com fotógrafos e profissionais ligados à área, tanto no palco como na plateia, que relembraram com carinho como se deu a formação do CCPF.

Da abertura participaram o presidente da Funarte, Humberto Braga; o diretor do Museu Histórico Nacional, Paulo Knauss de Mendonça; a diretora do Centro de Programas Integrados (Cepin), Maristela Rangel; e a coordenadora do CCPF, Sandra Baruki. Maristela Rangel agradeceu a parceria com o MHN e se disse “muito honrada de estar nesta casa comemorando os 30 anos do CCPF”. Também agradeceu a parceria com Dante Gastaldoni, responsável pela produção de conteúdos culturais, e com o Centro de Informação e Documentação (Cedoc), que também integra o Cepin.

O anfitrião Paulo Knauss parabenizou a Funarte pelo evento e disse ser uma satisfação grande poder ser parceiro dessa iniciativa. Ele elogiou o CCPF por trabalhar há tantos anos em defesa do patrimônio fotográfico brasileiro. “O Museu Histórico Nacional também é conhecido pelo seu acervo fotográfico. A colaboração com o CCPF foi e continua sendo fundamental para continuarmos conservando e valorizando o nosso acervo fotográfico, especialmente porque este é raro e antigo, muito delicado e exige sempre acompanhamento. De certo modo, nosso acervo também acompanha a história do CCPF”, reconheceu o diretor do MHN.

Em sua fala, Sandra Baruki disse que queria fazer do evento uma “festa” para reunir todos contribuíram para que o CCPF completasse os seus 30 anos de existência. E ela conseguiu. Além dos palestrantes, a maior parte da plateia era formada por antigos e atuais colaboradores do Centro. “O CCPF foi pensado para ser um espaço agregador e único. Nunca teve acervo e nasceu para beber das outras instituições, para promover encontros como este, para integrar os fotógrafos, conservadores, arquivistas, museólogos”, disse.

Ao organizar o programa do Seminário, Sandra Baruki teve a preocupação não somente de resgatar o passado, mas também pensar o presente e o futuro. “Era preciso reinventar o Centro. Foi quando pensamos em trazer esse novo público que está produzindo, fazendo fotografia. E contar essa história foi um processo que renovou meu amor pela fotografia. Eu estava muito castigada pela burocracia da administração pública. E hoje estamos celebrando o trabalho de muita gente”, comemorou.

O presidente da Funarte, Humberto Braga, funcionário de carreira há quase quarenta anos da Fundação, disse que era a hora de colocar o CCPF no lugar de destaque que o Centro merece. Para ele, alguns centros da Funarte se destacam de uma forma muito especial pelo seu trabalho: o Centro Técnico de Artes Cênicas (CTAC), voltado para a questão da arquitetura cênica e da cenotécnica, a Escola Nacional de Circo (ENC) e o CCPF.

“Eu nunca entendi como o CCPF não teve um lugar de destaque nos últimos anos. Observando a trajetória nesses últimos anos, ela se dá, em primeiro lugar, pela pertinência do trabalho em si; segundo, pelo acúmulo de experiência desenvolvido dentro da própria instituição; e terceiro, pela competência e paixão de alguns servidores que durante anos se dedicaram com muita garra e persistência a esse trabalho”, afirmou.

INFoto e o início do CCPF
A conferência do primeiro dia, “O INFoto e a criação do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica”, foi apresentada por Pedro Karp Vasquez, um dos criadores do INFoto – Instituto Nacional de Fotografia da Funarte, em 1982 (e diretor até 1986), que mais tarde daria lugar ao CCPF. Escritor, fotógrafo e editor, ele fez uma concedida a ele por Zeca Araújo, em 1979, à revista Foto Câmera, na seção “Revelações”. Nessa época, havia somente o projeto de criação de uma galeria, que depois seria transformada em núcleo de conservação fotográfica. No projeto de criação, “Zeca buscava parceria com a iniciativa privada para oferecer quatro cursos, inclusive um de conservação de fotografias, mostrando essa preocupação já naquela época”, ressaltou Pedro Vasquez.

Desde sua criação, ressaltou Pedro Vasquez, o Centro teve missão educativa. Foi o primeiro a ser criado na América Latina e se inscrevia num programa nacional de conservação, preservação e pesquisa da fotografia, criado pela Secretaria de Cultura do antigo MEC (Ministério da Educação e Cultura). Sandra Baruki complementou: em 2016, foram realizadas 27 oficinas em quatro regiões do país, com 700 alunos inscritos, dos quais 500 obtiveram certificados.

Entre as instituições presentes no primeiro dia estiveram Arquivo Nacional, Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional, FotoRio, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Instituto Brasileiro de Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e Instituto Moreira Salles.

Fotografia, Periferia e Memória
Dante Gastaldoni, João Roberto Ripper e Tatiana Altberg foram os palestrantes que se alternaram para abordar o segundo tema do primeiro dia do seminário do CCPF – Fotografia, Periferia e Memória.

Jornalista, cientista social e professor universitário, Dante Gastaldoni falou sobre as oficinas de preservação digital que ministrou a convite da Funarte com outros profissionais que também participam do programa do seminário. Ele fez breve apresentação sobre o trabalho de João Roberto Ripper  e do livro Imagens Humanas, que celebrou os 30 anos de profissão do colega.  Gastaldoni  contou sobre a iniciativa pioneira da Escola de Fotógrafos Populares, na favela da Maré, no Rio,  criada por Ripper em 2004, com patrocínio de Furnas, onde “a fotografia era apresentada como uma ferramenta de direitos humanos”. A EFP revelou jovens fotógrafos da Maré e, além da criação de um banco de imagens, também tinha à disposição dos novos profissionais uma agência escola para a distribuição das fotos. Gastaldoni falou ainda sobre o trabalho, que nasceu no Observatório de Favelas, também na Maré, com a produção de um livro de Ripper. O projeto Imagens do Povo, curso com 540 horas aula criado pela dupla em 2006, teve patrocínio do Unicef, e no ano seguinte da Unesco, e contou com inúmeros profissionais convidados. Posteriormente, desmembrado em três cursos, a iniciativa teve a chancela da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O professor relatou sobre a grande repercussão dos cursos desenvolvidos pela EFP, inclusive na imprensa internacional, resultando em parcerias com empresas nacionais que contrataram os jovens fotógrafos para inúmeros trabalhos e exposições no Brasil (Centro Cultural da Caixa, CCBB e Centro Cultural da Justiça Federal) e exterior (Londres). Durante sua explanação, Dante Gastaldoni apresentou fotos que revelam o talento desses jovens fotógrafos (incluindo Ratão Diniz que estava na plateia), revelados pela EFP – “as fotos têm uma investida para além do documental, começam a ter uma coisa de arte”. Dante também falou dos projetos criados pelos fotógrafos nascidos dos cursos da escola da Maré. “Um coletivo de fotógrafos passa a dirigir o Imagens do Povo. E eles criam outro movimento independente, o Folia de Imagens (http://www.imagensdopovo.org.br/destaques/folia-de-imagens/), que todo ano documenta o Carnaval e festas populares, e o Léo Lima cria o Cafuné na Laje (http://institutotear.org.br/cafune-na-lage/), onde ele pega a criançada e desenvolve roteiro com elas e depois divulga no Facebook.”

Tatiana Altberg falou sobre o Mão na Lata – “um conjunto de ações, um coletivo, um espaço de criação e construção de imagens narrativas em parceria com a Redes da Maré”. Nascido em 2003, ela explica que o Mão na Lata vem de uma vontade de circular pela cidade, “por esses espaços populares”. O trabalho desenvolvido por ela tem como características longa duração – um ano ou mais, a manutenção do mesmo grupo  de alunos e o desenvolvimento de outros projetos. Tatiana mostrou imagens do livro Cada dia o meu pensamento é diferente, que, segundo ela, foca no universo adolescente e nas mudanças da vida, “trabalhando com os meninos a partir de contos e crônicas de Machado de Assis, impossibilitando que eles vejam as coisas de um ponto de vista único”.

Ela também explicou a técnica que utiliza – o pinhole, com a construção de câmeras pelos próprios alunos. E falou sobre as oficinas que constavam de narrativas escritas e fotográficas, onde estava sempre presente o diálogo com a literatura de Machado ou com textos escritos pelo próprios alunos. Tatiana destacou a importância do Mão na Lata com a técnica pinhole, utilizada de 2003 até 2011. “Com essa fotografia, a gente fotografa para pensar mais devagar, para olhar mais devagar, para pensar mais devagar. E a fotografia ajuda a gente a cultivar a atenção, a delicadeza, a escuta, a calar quando precisa calar. O Mão na Lata tem uma tentativa de criar um espaço e um tempo diferente do tempo cotidiano, principalmente do que é vivido na Maré, o território de onde vem os participantes.”

O fotógrafo João Roberto Ripper, último palestrante do dia, falou sobre o seu projeto A beleza do outro – O Brasil que a maioria não conhece, com registros de imagens de quilombolas, índios, pescadores, colhedores de flores, caatingueiros, que foca no modo de vida desses brasileiros pouco conhecidos e no reconhecimento de seus territórios. Ripper, que criou a Escola de Fotógrafos Populares na Maré, percorreu vários estados brasileiros – Minas Gerais, Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, para esse trabalho. “Quando a gente começa a ver as pessoas como iguais é que a gente pode ter a capacidade de ver as belezas, de enxergar as belezas fora do padrão de beleza que nos enxergaram. É lindo a quilombola e o índio. Só que a gente não está acostumado a ver, a gente não foi educado a ver como beleza. Foi inclusive educado a dizer que isso é estética da miséria, quando estética da miséria é você promover a miséria”. Ripper explicou que a edição das fotos foi feita em conjunto com a comunidade, que após ver a projeção das imagens, recebeu a versão digital do trabalho também oferecida às entidades que apoiam e defendem os interesses dessas comunidades.

Após as palestras, houve debete com a plateia.

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