Funarte debate contribuição do Projeto Pixinguinha para a cultura brasileira

Maurício Carrilho, Luciana Rabello, Humberto Braga, Pedro Paulo Malta e Zuza Homem de Mello. Foto: S. Castellano

Depois da conversa, Conjunto Época de ouro apresentou um repertório de Pixinguinha

A Fundação Nacional de Artes – Funarte abriu, no dia 24 de novembro, quinta-feira, o Seminário Projeto Pixinguinha: o legado. No evento, nomes destacados da pesquisa, produção e crítica musical avaliaram a contribuição da iniciativa – que nos anos 1970 e 80, difundiu várias tendências da música popular brasileira pelo país; e revelou vários talentos.

Um dos participantes da mesa de abertura, iniciada às 17h, foi o Compositor, produtor musical e escritor Hermínio Bello de Carvalho. Ele foi o idealizador do projeto Pixinguinha – lançado pela Fundação em 1977. Também compuseram o grupo: o instrumentista. arranjador. produtor. e pesquisador da MPB Maurício Carrilho; a compositora e cavaquinista Luciana Rabello; o presidente da Funarte, Humberto Braga; o cantor, pesquisador musical e jornalista Pedro Paulo Malta, coordenador do Canal Funarte/Portal Funarte (mediador); e o musicólogo e jornalista Zuza Homem de Mello. O Conjunto Época de Ouro apresentou-se após os debates.

Estiveram presentes músicos, pesquisadores, jornalistas, estudantes e críticos musicais. Entre estes estava Tárik de Souza, que participou do debate do dia 25, sexta, juntamente com o também jornalista e pesquisador Leonardo Lichote; com o compositor e produtor musical Ronaldo Bastos – lançado no Clube da Esquina (1972 – 1978) –; o pesquisador, escritor, jornalista, crítico e produtor Rodrigo Faour; e com o pesquisador especialista em acervos digitais Bruno Tavares.

O mediador dessa segunda mesa foi o produtor artístico Paulo César Soares, servidor da Funarte há 40 anos, que começou exatamente no Projeto Pixinguinha. Paulo foi diretor de vários shows do programa e exerceu neste todas as suas principais funções. Foi indicado por Hermínio Bello de Carvalho para ser seu substituto à frente Divisão de Música Popular do extinto Instituto Nacional de Música (antecessor do atual Centro da Música da Funarte), por dois anos, com a aprovação do Maestro Edino Krieger (à época, Presidente da Fundação). Após a ter sido recriada a Funarte, em 1995, Paulo coordenou a edição do Pixinguinha daquele ano.

Presidente da Funarte: como adaptar os fatores de êxito do Projeto Pixinguinha aos novos tempos?

Humberto Braga, presidente da Funarte, abriu o seminário: “Sou servidor de carreira da instituição, em que trabalhei mais de 30 anos e me aposentei, retornando em 2016. Conheço bem a casa e os grandes momentos pelos quais ela passou. O Pixinguinha é o típico programa que deu certo, que representa uma política pública meritória e que está na lembrança de muita gente, em todos os cantos do Brasil. Em todo lugar do país onde chego, todos perguntam: ‘E o Pixinguinha? Volta?’. E eu sempre respondo: ‘Não se trata apenas de retorno ou não. O projeto funcionou porque estava muito sintonizado com o momento dele, com aquela época’. Mas o papel que a iniciativa teve de formar um grande público, reunir artistas de várias gerações e oferecer espetáculos de qualidade a essas plateias – em nível nacional –, mostra que a ela alcançou seus resultados. Acertou. O que precisamos agora é refletir e avaliar e como uma proposta que teve tanto êxito naquele período pode nos inspirar, para pensarmos um Pixinguinha hoje para a Funarte, a partir das características desse sucesso: espetáculos de qualidade, em todos os estilos e tendências, em toda parte do Brasil, formando um grande público, com artistas de nome e revelando novos talentos. Para isso é preciso também avaliar a nova realidade da música popular no Brasil e como hoje podemos nos inserir nela”, propôs o presidente. “Se neste seminário conseguirmos nos inspirar nesse legado e tentarmos traçar novas ações, cumprindo o papel da Funarte de instituição nacional, o Projeto Pixinguinha presta mais um grande serviço. Espero que esse encontro contribua muito para planejarmos as ações da Fundação na área da música popular. Temos aqui convidados mais do que reconhecidos, muito apropriados para falar sobre o tema. Estou bem curioso para ouvir as histórias do programa; e como essas pessoas vêem um Pixinguinha que possa ser adaptado aos novos tempos”, expôs Humberto Braga.

Hermínio Bello de Carvalho: do Seis e meia de Albino Pinheiro ao Pixinguinha

“Quase quarenta anos se passaram desde quando o Projeto Pixinguinha começou a levar o melhor da música popular para milhares de pessoas que, muitas vezes, nunca haviam ido a uma casa de espetáculos”, afirmou Hermínio Bello de Carvalho. Ele começou por reafirmar a visão inicial do projeto, que criou na Funarte, em 1977. “Não creio nos que não acreditam em sonhos e utopias. Aposto em parcerias”. O compositor lembrou que quando concebeu o Projeto, vivia a defender impetuosamente: “não se deve engavetar informação, mas sim democratizá-la… A cultura tem que circular… É preciso fazer um projeto de formação de novas e jovens plateias, que também ajude a oxigenar o mercado de trabalho…”. Comentou que, nisso, muitas vezes era ouvido, e muitas rejeitado (porque faltaria empenho e competência no “fazer cultural”, em geral); mas que amigos, com as mesmas aspirações – há muito tempo, seus abraçaram essas ideias. “Compartilhar utopias é uma aventura extraordinariamente sedutora”. Recordou Albino Pinheiro, que, liderando grupos, criou projetos fundamentais, como a Banda de Ipanema e o Projeto Seis e Meia, no Teatro João Caetano, e outros, (alguns que seriam aparentemente absurdos, mas sempre admiráveis). Lembrou que, quando Albino passou a dirigir esse espaço, na Praça Tiradentes, o levou para olhar a multidão no local, saindo do trabalho, na fila dos ônibus, e propôs: “E se botássemos toda essa gente no teatro, para ouvir música brasileira?”. E que assim nasceu o Seis e Meia. Dessa forma, Hermínio contou como Albino e seus projetos, principalmente esse (do qual foi produtor artístico), o inspiraram na concepção do Pixinguinha – direcionada, primeiramente, para a geração de novos públicos. Entre os convidados estavam Clementina e João Bosco; e Macalé e Moreira da Silva; Jamelão e orquestra Tabajaras,… Nana Caymmi e Ivan Lins; Turíbio Santos e Alaíde Costa; Gonzaguinha e Marlene; Beth Carvalho e Nelson Cavaquinho; Alceu Valença e Jackson do Pandeiro, Elza Soares e Miltinho, Dona Ivone Lara e Cartola, e tantos outros! [que estiveram também na gênese do Pixinguinha] Há 40 anos, nem todos eram famosos. Outros sim, mas estavam um pouco esquecidos. “Aprendi com muita gente. Não inventei nada. Mas prestei atenção a tudo. Esta arte é essencial”, comentou Hermínio. “Por exemplo: não descobri Clementina. Ela estava lá. Só prestei atenção nela. E muita coisa boa está acontecendo na cultura hoje, neste país”. Em meio ao enorme sucesso, o projeto foi suspenso, com o pretexto de que poderia haver danos ao teatro, já então bastante comprometido”. Hermínio combinou que reclamaria nos jornais e Albino ficaria, o que foi feito.

O produtor musical resumiu a história da Sociedade Musical Brasileira (Sombrás), sociedade civil em defesa dos direitos autorais na música, fundada em 1974 por dezenas de importantes músicos e compositores, como, Tom Jobim, que foi seu presidente – e Hermínio vice. Ele destacou a relevância da entidade e sua influência no ambiente político-cultural em que foi gerado o Pixinguinha. “Defendíamos a justa arrecadação, o controle e a informatização e a correta distribuição dos direitos. Naquele ano, uma entidade arrecadadora havia expulsado 11 dos nossos companheiros, entre eles Yards Macalé João Bosco, Guarabira, Suely Costa, Ruy Maurity… Só porque tinham pedido uma prestação de contas”. explicou. E comentou que, nesses meados dos anos 70, já com o regime militar se enfraquecendo, a área cultural brasileira vivia um momento de falta de recursos e desmotivação. E que seria “a hora de voltar à democracia”. E destacou que, em 1975, a Funarte foi instituída. Nesse contexto, situou a criação do Pixinguinha, aprovado pela fundação. “Conseguimos que o projeto fosse para a estrada… Uma coisa fundamental nele era a circularidade” – artistas do eixo Rio-São Paulo viajariam para outras regiões, e vice-versa – apontou. Destacou ainda o mérito da revelação de talentos locais, como o violonista Jacaré (já falecido), cujo show com Maurício Carrilho foi um exemplo do valor dos encontros que o projeto promovia entre artistas de estilos diferentes.
O idealizador do Pixinguinha comentou ainda a dificuldade que o programa encontrava para fazer shows populares nos teatros tradicionais. Havia resistência, receio de que o povo estragasse os espaços. “Mas tivemos também gratas surpresas de aceitação. E algumas salas eram ótimas e outras, abandonadas”, acrescentou. “Tínhamos na Funarte algo fundamental, que se chama ‘equipe’. Ela suava e chorava com a gente”.

Frisou a importância do Pixinguinha para a divulgação de artistas e grupos regionais, como, em 1980, a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco (de certa forma, continuadora Orquestra Armorial). E também revelações do Rio de Janeiro, como Os Carioquinhas – que foram prestigiados por Radamés Gnatalli e, no Pixinguinha, tocaram com Nara Leão e Dominguinhos.

Hermínio aproveitou para homenagear o coordenador de música erudita da Funarte, Flávio Silva (77 anos, há 40 na entidade): “Fico emocionado em ver aqui esse verdadeiro operário dessa casa. Ele é um exemplo para ela, sempre trabalhando obstinadamente, desde o tempo em que comecei aqui”.

Funarte prestigia o seminário

Também estiveram presentes aos debates os representantes da Funarte: Reinaldo Veríssimo, Diretor Executivo; Marcos Lacerda, o diretor do Centro da Música; Marcos Teixeira, diretor do Centro de Artes Cênicas; Maristela Rangel, diretora do Centro de Programas Integrados; Camilla Pereira, coordenadora de comunicação; Maya Suemi Lemos, servidora do Cemus/Funarte; Cláudio Guimarães, músico, um dos fundadores da Sombrás, hoje na Funarte; e muitos outros servidores e colaboradores da casa.

Sobre a segunda edição do projeto e o material online das duas versões

O mediador da mesa de abertura, Pedro Paulo Malta, lembrou que, quando foi coordenador de Música Popular da Funarte, em 2006, houve uma nova versão do Projeto Pixinguinha, que buscou adaptar o espírito da versão original ao novo momento. “Os artistas não somente circulavam entre suas regiões e o Sudeste, como também iam a outras regiões”, destacou o cantor/pesquisador. Mas ponderou que “hoje o país é outro” e que, por isso, os valores do projeto devem ser mantidos, mas com uma adaptação. Ele salientou, ainda,  que há muitos registros de época, em áudios, fotos e textos, das duas versões do empreendimento, neste Portal, na seção Brasil Memória das Artes. A segunda versão é documentada em vídeos, com áudio-descrição.

Maurício Carrilho: “O Pixinguinha foi muito importante para quem começava”

Maurício Carrilho, que participou, ao violão, de grupos como Camerata Carioca e Os Carioquinhas, entre outros, e co-fundador da Casa do Choro/Escola Portátil de Música (RJ), realçou o valor do Pixinguinha para quem começava a carreira. “Foi a primeira turnê com padrão profissional de muitos deles. Hoje o pessoal começa nos bares, com muito barulho… Nós tivemos a primeira experiência de uma viagem adequada, em bons hotéis e produção organizada. Algo assim valeria ainda para os dias atuais”. Maurício (de família de músicos e sobrinho de Altamiro Carrilho) avaliou que a força do projeto aumentou quando a organização percebeu o forte significado de integrar os artistas viajantes com atrações e revelações locais. E mais ainda quando começaram caravanas de circulação com essas pessoas (passando pelo Pixingão, em que elas tocavam no Rio). “Se o Projeto Pixinguinha não tivesse sido interrompido, a história da música brasileira seria outra”, avaliou.

Luciana Rabello: por um resgate dos critérios de qualidade nos projetos culturais

Luciana Rabello, também egressa da Camerata Carioca e d’Os Carioquinhas; e co-gestora da Casa do Choro/Escola Portátil de Música, enfatizou o significado que o Pixinguinha e a Funarte tiveram para o público e os artistas dos locais alcançados. E para todo o impulso para projetos culturais nos anos 70 e 80. A cavaquinista salientou que as iniciativas que desenvolve precisaram de uma estruturação baseada no empreendedorismo, sem verba pública. “Em geral, está faltando coragem de investir na excelência. Mas também é preciso que os gestores públicos de cultura também tenham, da mesma forma, espírito empreendedor. Essas iniciativas da sociedade precisariam de mais atenção do poder público”. Propôs resgatar o conceito de qualidade na elaboração e seleção de projetos culturais, e não manter o foco apenas numa espécie de igualitarismo generalizante, sem desenvolvimento de critérios adequados de qualidade; e com um excesso de preocupação com o “politicamente correto”. E defendeu que os profissionais que lidam com cultura pública precisam entender da área e estar envolvidos com ela: “É preciso que haja novos “Hermínios”. E completou: “Confunde-se cultura com entretenimento. A busca da qualidade do que era feito no Pixinguinha foi um fator primordial para o seu êxito”, defendeu. Ao que Raphael Rabello observou: “Foi possível estabelecer padrões de alta qualidade, artística e de produção, para o Pixinguinha em 1977. Foi viável naquela época. É possível hoje”.

Zuza Homem de Mello: “O Pixinguinha deve levar cada músico de um centro para outro”

A fala seguinte foi do jornalista Zuza Homem de Mello. Ele é convidado para os mais importantes festivais de música popular do mundo; curador do Free Jazz Festival (hoje Tim Festival) desde sua primeira edição; membro e ex-presidente da Associação dos Pesquisadores da MPB; e autor de vários livros de sucesso. Ele argumentou que, um princípio básico para o sucesso de qualquer iniciativa na música brasileira é, essencialmente, levá-la à sério. “Toda vez que isso acontece, surgem resultados”, ponderou. “O projeto é tão importante que, se o Hermínio tivesse realizado só ele, já mereceria uma estátua”. E reconheceu: “O modelo de circulação e contato entre artistas de estilos diversos é devido ao Seis e Meia e ao Pixinguinha”, aconselhando: “Esse movimento de turnês deve continuar sendo nos dois sentidos: do eixo Rio-São Paulo para fora, e vice-versa”. O escritor explanou que as regiões periféricas evidentemente são tão importantes quanto os grandes centros para a produção cultural. “O centro para um artista não é a grande cidade. É o seu local de origem. É preciso trazer esses centros regionais para o mundo… O Pixinguinha deve levar cada músico de um centro para outro. É a ‘recirculação’, mais do que circulação. Assim como o Jacaré, há vários novos artistas locais”. Para o jornalista essa renovação diferencia a arte da simples produção para o mercado. “A arte existe por si mesma, não em função do mercado”. Por isso, acrescentou que um novo plano para o Pixinguinha não precisa de adaptação. “Precisa, sim, ser mantido nessa sua linha mestra: “circulação e recirculação”.

Humberto Braga respondeu: “Cada vez mais tenho ouvido, em vários estados, que um dos papéis da Funarte é o de promover esse movimento de circulação de artistas de todas as regiões. Dar oportunidade dos artistas de todos os pontos do país aparecerem e se conhecerem. Isso é o Brasil conhecendo a si mesmo através da arte, o que facilita a que se saia do provincianismo. Tem grande importância o olhar de uma instituição nacional sobre uma cidade menor, valorizando a sua produção, quando, às vezes, esta não é considerada no próprio local”.

O agente público pode ser mediador crítico?

Maristela Rangel comunicou que o Centro de Documentação e Pesquisa (Cedoc) – Funarte guarda os processos ligados ao Pixinguinha digitalizados; e que eles guardam a história do projeto.

Flávio Silva refletiu: “Essa questão da qualidade é complicada. Porque quando você toca nela, já alguém acha que isso é elitismo e que você está contra o povo. Isso é uma desgraça do populismo. Quanto à participação do Estado, é bom lembrar que nomes como Luiz Gonzaga e Ary Barroso tinham muito pouco governo a favor deles. O Estado deve ser complementar, não essencial”. Quanto ao debate sobre os fundamentos do Pixinguinha, Flávio lembrou que o primeiro trabalho dele de algum peso foi no sentido de uma turnê regional com artistas de estilos diferentes, direcionando o Zimbo Trio para o Nordeste e o Qujinteto Violado para o Sudeste. “A Funarte viajava muito. Até que se multiplicaram secretarias no Ministério da Cultura com funções superpostas às da Fundação.

Marcos Lacerda, diretor do Centro da Música da Funarte citou Victor Ramil, no texto do do álbum A estética do frio: “Não me sinto à margem do centro, mas no centro de uma outra história”. E completou: “ Não há mais um centro. A produção artística brasileira de excelência sempre foi descentralizada”. Sobre circulação, que considera o ponto crucial desse debate (e que remete ao Pixinguinha), Marcos considerou que, a partir de 2010, os programas da Funarte deixaram de ter como foco o artista, como era no projeto, para direcionar-se a ambientes onde os artistas circulam: “Uma coisa é contemplar festivais e espaços culturais, outra selecionar artistas diretamente, numa mediação crítica”. Devemos discutir a atuação do gestor também como crítico. A qualidade estético-formal, não é um conceito ‘natural’, mas sim objeto de discussão e de disputa política. Sempre houve produção de excelência em todas as classes sociais; e alguns artistas considerados excelentes não tiveram acesso a educação formal, nem musical. “Mas, sim, o agente público tem que exercer uma mediação crítica mais qualificada. Quais serão os critérios da crítica? Isso é outra questão”, argumentou.

O presidente da Funarte arrazoou que o incentivo do Estado é indispensável para algumas atividades artísticas – principalmente aquelas que estão distanciadas de interesses de mercado, ou longe dos grandes centros urbanos. E que o Pixinguinha foi muito relevante nesse sentido.

Aproximação com os jovens e interação com redes sociais

O segundo dia de debates contou com a presença do compositor Ronaldo Bastos; do jornalista e crítico cultural Tárik de Souza; do pesquisador e jornalista, Leonardo Lichote; do historiador e pesquisador, Rodrigo Faour, do pesquisador e especialista em acervos digitais, Bruno Tavares e, novamente, do jornalista Zuza Homem de Mello. A mesa foi mediada por Paulo Cesar Soares.

Humberto Braga abriu a conversa. Os convidados prosseguiram o panorama da história do Pixinguinha, seu legado cultural e sua importância para o Brasil, com idéias sobre como seria a retomada do projeto. Foi proposta a publicação dos vídeos das apresentações nas redes sociais e nos canais de vídeo mais populares. A necessidade da aproximação com o público jovem e da formação de plateia para a música popular brasileira foram alguns dos assuntos debatidos.

Atualização da cobertura do dia 25, sexta-feira

Leonardo Lichote: uso dos pilares de sucesso, sem preconceito e com visão da música atual

O jornalista e crítico musical Leonardo Lichote lembra que, nos anos 70, era muito novo, mas conseguiu assistir a alguns shows do projeto. E que existem vários registros desses espetáculos na web. Lichote apontou que projeto era baseado em diretrizes definidas, que funcionam até hoje. E comentou sobre a circulação de artistas, um dos pilares da proposta: “Circulação é insistência. É formar público. E o processo de formação de público é muito importante. O sucesso do Projeto Pixinguinha é exatamente esse: de segunda a sexta numa cidade, uma agenda de longa duração, com vários artistas. Com isso se começa a associar o nome ‘Pixinguinha’ ao programa. E as pessoas sabem que vão encontrar música de qualidade. Outro pilar da iniciativa, que a gente não pode deixar de considerar, é que é presença de artistas que realmente tinham popularidade”, acrescentou, citando Gonzaguinha e As Frenéticas, “que participaram, ao lado de novos talentos; e outros, hoje consagrados, como Simone. Ela fez uma temporada fantástica pelo Pixinguinha…! Marina, também. Eram nomes já famosos, capazes de atrair público (numa lógica da comunicação de massa). E hoje temos revelações totalmente fora dessa classificação, como Cícero, por exemplo, que, mesmo assim, consegue fazer shows para milhares, onde quer que vá. E artistas que poderiam puxar plateia. Por exemplo, nomes esquecidos, dos anos 60 e 70. O Projeto Pixinguinha teve convidados como Jackson do Pandeiro, muito popular naquela época, e nomes como Alceu Valença” (vale observar que Alceu “estourou” naquele período, mas tem sucesso até hoje).

Lichote identificou mais um critério no projeto: “Pensar a popularidade sem nenhum preconceito”, e lembra que a lista ia desde a os artistas citados acima a Clementina, Sidney Miller e Erasmo Carlos, sem exigência de estilo, nem de “boa música” ou “má música”. “Nas viagens, os artistas conversavam muito. Eram pessoas que nem sempre estavam perto. Isso podia gerar novos projetos, e novos diálogos, onde não havia. O Pixinguinha tinha uma formatação que é possível ser aplicada hoje, mas sem que só pensemos na música popular brasileira da década de 80. Por exemplo: poderíamos pensar em Cícero e Rubel. Eles são muito populares e ficam ficam fora da grande mídia. Lichote avaliou que, a partir dos pilares do Projeto Pixinguinha, a ideia de circulação com formação de plateia prevê um aumento gradual de público em função da continuidade do programa: “No primeiro dia vão 15 pessoas; no segundo, 40. No ano seguinte, a média vai ser maior… Eu acho muito relevante o debate sobre o Projeto Pixinguinha e sua possível volta pensando a partir destes temas: a ausência de preconceito e entendermos o que está acontecendo na música brasileira, hoje”, sugere.

Tárik de Souza: “O Brasil é o primeiríssimo do mundo em música… Mas vivemos no submundo da produção musical”

Tárik de Souza avaliou: “A primeira etapa do Projeto Pixinguinha foi extraordinariamente bem sucedida O Zuza disse algo que foi repetido aqui, várias vezes: o programa fazia a música brasileira circular pelo país. Levando a música dos grandes centros (economicamente falando) para os centros menores, e trazendo aquela música daquelas cidades para o eixo Rio-São Paulo. Porque o Brasil é um país continente, não é somente um país. E são vários países. Quanto mais você viaja pelo nosso território, mais vê a riqueza extraordinária que desperdiçamos, não conhecemos e pela qual não nos interessamos. Portanto, um projeto como esse foi importantíssimo, exatamente porque ele fez a ligação de pessoas de lugares que nem imaginávamos que existiam – esses artistas geniais, fabulosos –, com as grandes cidades. Mas hoje não há mais espaço nenhum para essa produção no país. O povo brasileiro é um dos maiores criadores de cultura no mundo, principalmente em termos de música. Em relação à música, o Brasil é o primeiríssimo no mundo. A gente não deve nada a ninguém nessa área. Mas vivemos no submundo da produção musical, há mais ou menos 30 anos. Os novos artistas vão tentar o mercado exterior, enquanto nos conformamos com a pior música produzida no Brasil, difundida nos nossos principais meios de divulgação. Antes, a pessoa podia escolher o que gostasse de ver na TV e ouvir no rádio (isso é fundamental). De 30 anos pra cá, isso acabou. Existe público. Você não pode ficar ‘mascando o clichê’ Mas hoje não há mais espaço nenhum para essa produção no país – ou seja, repetindo as mesmas coisas, o que fazem os artistas e grupos que se apresentam hoje na TV. É Clichê em cima de clichê: produção em série. Não tem arte, nem poesia”.

O conceituado crítico musical lembrou que o Pixinguinha foi concebido em 1976, quatro anos depois do fim da era dos festivais. “O projeto preencheu esse vácuo muito bem, porque havia, a partir da iniciativa, um espaço para esses novos talentos se apresentarem; e também os artistas mais antigos, ainda na memória do povo e que vieram do rádio. Eles tiveram a chance de se apresentar novamente. Acho que uma nova fase do Projeto Pixinguinha pode representar a volta da democratização da música no Brasil. Temos que abrir esse campo para todas as pessoas que estão sem espaço no país. O lema do programa, nos anos 70, era: “Criar novos espaços, sem invadir os já existentes”. Hoje, nós precisamos gerar novos espaços e, se possível, invadir os já existentes, que estão totalmente ocupados”, brincou Tárik.

Rodrigo Faour: “O fundamental é tentar fazer com que a música brasileira realmente volte a ter evidência

Rodrigo Faour relembrou um programa de TV que Alcione lançou, na época do surgimento do Pixinguinha.  “Era um alerta sobre a música estrangeira e ‘estrangeirismo’. Havia realmente essa preocupação. Hoje, a gente vive um cenário bem pior. Porque as pessoas realmente não conhecem a música popular brasileira: quem tem menos de 35 anos, se não tem família ligada à música nacional, ou se tem alguma outra situação que faça a pessoa ter um pouco mais de cultura musical, ela não tem a menor ideia do que seja de fato a nossa música. Porque, dos anos 1990 pra cá, a música brasileira com mais criatividade foi expulsa da TV aberta e das rádios. Conhecem música pop brasileira e dos anos 80, o que restou dela, nas rádios. Porque o samba, o frevo, o xote, enfim, os outros estilos que havia anos 80, todos sumiram. Ficou o pop romântico: Lulu, Kid Abelha, Rita Lee, alguma coisa da Gal e só. Isso é sério e tem que ser levado em consideração. E há um ‘microcosmo’ de pessoas que conhecem a música brasileira e também precisam ser agraciadas. Minha principal preocupação hoje é que a música brasileira vire um nicho e meio que desapareça. Antigamente, ela se unia a outros ritmos e prevalecia, nessas fusões, o traço do Brasil. Hoje, predomina o elemento estrangeiro. Portanto, se voltar o Projeto Pixinguinha, ou se a Funarte realizar algum outro, o fundamental é tentar, de alguma forma, fazer com que nossa música realmente volte a ter evidência”, alertou Rodrigo Faour. Nesse sentido, o artista sugere que seria possível, por exemplo, incluir num projeto um artista menos divulgado, colocando-o no palco ao lado de outro, de sucesso, nem importando se este for “bem americanizado, com alguma afinidade com ele.

Bruno Tavares: a digitalização e disponibilização de registros históricos do Pixinguinha

“Trabalhei aqui na Funarte com a materialidade de registros históricos. Meu negócio é história, na grande duração”, definoi o pesquisador Bruno Tavares, que trabalhou na digitalização de vídeos e fotos da primeira e lendária versão do Pixinguinha. “Meu papel aqui é falar sobre a memória do projeto”, completou, apresentando uma fita “de ¾”, de rolo magnético que, segundo ele, é a base do acervo de áudio da Funarte. “O Projeto Pixinguinha é uma matriz muito interessante. Quando falamos sobre a memória dele, nos remetemos sempre ao seu tempo áureo, ao período da sua abertura (1977 – 78). Mas pouca gente sabe o que aconteceu com o projeto daquele momento até 1989, quando houve a primeira eleição democrática para presidente no Brasil – cujo resultado provocou o fim do projeto [e da Funarte] – e muitos outros fatos”, contextualizou o especialista.

“Quando trabalhamos acervo sonoro, estamos mexendo na questão material, que é a memória documentada. É a memória capturada no seu momento e guardada. Isso começa por volta da segunda metade do século XIX quando começam todas as revoluções tecnológicas que dizem respeito às novas formas de registro do mundo”, que o convidado denominou “grafias”. Ele explicou que a fonografia – gravação de áudio analógica (usada para registrar o Pixinguinha) – servia para que as pessoas simplesmente gravassem as informações, registrando um único momento, e pudessem utilizá-las na grande indústria e para disponibilizá-las para os demais. explica Tavares. O pesquisador também mostrou dois discos da época. “O material era de goma-laca, muito pesado e duríssimo como uma cerâmica”, disse, comparando as mídias antigas ao armazenamento digital de hoje: “Uma base de dados é algo instável, precária e com tendência ao desaparecimento. O trabalho de digitalização foi feito para criar acessibilidade, não para durar. A durabilidade vai depender de uma integração desse acervo seja integrado às formas contemporâneas de suporte da música fonográfica”, orientou Bruno.

Seminário
Projeto Pixinguinha: o legado
Sala Funarte Sidney Miller – dias 24 e 25 de novembro de 2016

Realização
Fundação Nacional de Artes – Funarte
Centro da Música

Organização: Maya Suemy Lemos (servidora – Cemus)
Mais informações: cemus@funarte.gov.br

O Conjunto Época de Ouro se apresenta toda segunda-feira, às 17h, na Sala Funarte Sidney Miller, com entrada gratuita, no Programa Época de Ouro, da Rádio Nacional AM – RJ (EBC)
Mais informações sobre o grupo e o programa: www.epocadeouro.com.br

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