100 Anos de Samba na Funarte – Debate revelou histórias saborosas sobre o gênero

O presidente da Funarte, Humberto Braga, abriu o evento falando sobre os últimos seminários promovidos pela instituição, inclusive o realizado na semana passada que abordou o legado do Projeto Pixinguinha para a música brasileira, destacando a revitalização da Sala Funarte Sidney Miller, “reintegrando-a ao panorama cultural do Rio e do país”. Braga saudou o Centenário do Samba e os jornalistas convidados para os 100 Anos de Samba na Funarte.

Rodrigo Alzuguir abriu o debate falando sobre sua pesquisa para a biografia que escreveu do compositor Wilson Batista e da contribuição de Ruy Castro e João Máximo para a obra. Na sequência,  o mediador perguntou aos dois jornalistas quais as lembranças que cada um tem do samba, na própria infância. João Máximo contou que, aos 7 anos de idade, foi morar em Vila Izabel, onde eram comuns os ‘blocos de sujo’ e que aprendeu primeiro A Jardineira, uma marchinha. “Dos blocos, me lembro de Atire a primeira pedra, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Tem que dizer os autores porque isso é importante”, arrematou.

Agora é cinzas, disse Ruy Castro. Meu pai cantava, gostava de tocar violão. Ele falava de carnaval, de Carmen Miranda e gostava de cantar (composições de) Ismael Silva. Pra mim, bem no começo, eram os sambas de Ismael Silva e o Agora é cinzas, que ele (o pai) cantava o tempo inteiro. Meu pai só gostava de música brasileira, tinha muito samba de carnaval, muito Madureira chorou”.

Alzuguir perguntou sobre as polêmicas em torno de Pelo Telefone, como a autenticidade da autoria e o gênero musical. João Máximo explicou que a maior polêmica se refere à autoria. “Isso já está provado É uma obra coletiva, comum entre os habitantes da Pequena África, ali na Cidade Nova, das comunidades baianas se reunirem para cantar, dançar, improvisar versos, pegando versos de uma música já existente, e cada um entrava com um pedaço”, falou. “O Donga, que estava entre os participantes dessa reunião – Sinhô, Tia Ciata, Hilário Jovino, o Mauro de Almeida que tinha o apelido de Peru dos pés frios. E o Donga, que tinha alguma habilidade musical – tocava muito bem violão, era parceiro e amigo de Pixinguinha que já era um gênio na época – , tinha uma comunidade musical em torno dele. Ele pega um pedaço, que na época se chamava de arranjo, que talvez tenha sido criado pelo Hilário, Sinhô, Tia Ciata, e muito auxiliado pelo Peru dos pés frios, e registra na Biblioteca Nacional. Curioso porque não tem música (partitura), só tem a letra, e o samba passa a ser só dele, Ernesto dos Santos Donga. Depois, alguém reclamou e ele dá parceria ao Peru dos pés frios. Esse registro é a primeira marca que o samba tem”, explicou.

“O Jairo Severiano me mandou outro dia uma cópia da partitura original, de uma cópia que o Almirante emprestou pra ele”, conta Ruy Castro.
– “Essa partitura é posterior”, diz João Máximo.
“É uma partitura para piano. Tem a data de 1º de novembro de 1916”, continua Castro. “Em cima tem um carimbinho da Biblioteca Nacional, escrito assim:  ‘Reg’, um número de quatro algarismos e a data de 27 de novembro de 1916. Imagina, que alguém compôs aquela partitura no dia 1º de novembro e o Donga teria levado na Biblioteca Nacional no dia 27”.

Ruy conta ainda que, recentemente, arrematou num leilão uma partitura impressa de Pelo Telefone com data de 19 de dezembro de 1916, que ele acredita ser a primeira edição impressa, e a que inaugurou o gênero samba.

Donga X Ismael

João Máximo aborda também a rixa que acompanha os dois compositores, frequentadores das casas das Tias Baianas. “O Sinhô era o melhor deles, os sambas do Sinhô sobreviveram, muitos foram regravados por Mário Reis na década de 50”. Ele conta que o samba feito nas casas das Tias Baianas era feito pra dançar  – “as baianas eram festeiras (…) e a polícia permitia as festas no quintal delas” –, e o que vem a ser feito pelo pessoal que ocupa os morros, os subúrbios após as mudanças na cidade na gestão do prefeito Pereira Passos. “Era um samba com uma melodia mais longa, não tem a falta de sentido (nas letras) que tem o Pelo Telefone, já tem umas cançõezinhas de amor, de orgulho de seu bairro, da sua esquina e que vão começar a fazer o samba do Estácio”.

Máximo relembra um episódio, contado por um pesquisador da música brasileira, envolvendo Donga e Ismael Silva, que diverte o público presente.
O estudioso encontra a dupla de compositores e pergunta:
– E aí Donga, o que é samba pra você?
– Samba é Pelo Telefone, responde o autor.
Ismael Silva que está do lado retruca:
Pelo telefone não é samba, é maxixe.
E Donga provoca:
– Pra você o que é samba?
Ismael: É Se Você Jurar.
Donga devolve: Se Você Jurar não é samba, é marcha.

Pixinguinha, Ismael Silva e Noel Rosa

Máximo fala também sobre a atuação do compositor de Carinhoso, para dar nova roupagem ao samba. Contratado pela gravadora Victor (Victor Talking Machine Company, fundada em 1900 e comprada pela RCA em 1929), Pixinguinha passa a fazer arranjos orquestrais para acompanhamento a cantores como Francisco Alves em sambas, de Bide, Marçal, que saem do Estácio para os estúdios de gravação. Ele diz que aí os sambas acabam ganhando “volteios de maxixe”, devido à formação dos músicos dessas orquestras.

Ruy Castro fala do convívio com Ismael Silva, quando era jornalista do Correio da Manhã, cuja sede era na Avenida Gomes Freire, no Centro. “Ele ia todo dia lá. Eu descia pra conversar com ele”. João Máximo diz que o compositor de Antonico era extremamente vaidoso, e conta que ao procurá-lo durante a pesquisa para a biografia de Noel que escreveria, Ismael perguntou “qual era o assunto”. Ao ouvir do jornalista que era Noel Rosa, Ismael argumentou: “E por que não Ismael Silva?”

“Noel era bom violonista”, conta Máximo que fala da formação do Bando dos Tangarás, que contava também com Almirante, e de como Noel ingressa no grupo. “Ele se apaixona pelo samba. Ele ia ao Salgueiro, à Mangueira, ficava no barracão do Cartola. Ele se apaixona pela música que esses caras (dos morros) fazem. Nos anos de 1929 até 1933, ele tem composições, parcerias com 14 negros do morro. Parceria interracial na música popular como esta não existe”.

E o jornalista enaltece seu biografado. “A música dele vai ser a do Estácio. Ele assimilou isso. O Ismael Silva é o maior parceiro dele, são 17 sambas. Bide, Marçal, Manoel Ferreira. E você pode até escrever a geografia dos morros cariocas seguindo os parceiros do Noel. Portela, Serrinha, São Carlos, Mangueira, Favela, Salgueiro, Ramos. Essa é a importância dele na música popular brasileira.”

Os dois pesquisadores da música brasileira falaram também sobre as cantoras da época de Ouro do Rádio – Elisete Cardoso, Araci de Almeida, Carmen Miranda, e  dos ‘causos’ sobre a implicância de Noel com Carmen. Ruy Castro, biógrafo da Pequena Notável, também falou sobre a importância dela no samba.

Sobre o futuro do samba, os dois jornalistas lamentaram que compositores como Paulinho da viola não tenham mais novas composições.

O coordenador de Música Erudita da Funarte, Flávio Silva, apresentou dados de sua pesquisa de Pelo Telefone, abordando a controvérsia em torno da construção dos versos do samba de Donga, que remetem à perseguição da polícia ao jogo. Flávio falou também sobre a polêmica envolvendo a parceria,  que, segundo Almirante, tinha Mauro de Almeida como autor. Flávio Silva ainda trouxe números que mostram registros de samba na imprensa dos anos de 1916 a 1918, sem referências a Pelo Telefone, além de outros gêneros musicais.

Ao final dos debates, o público fez perguntas aos jornalistas convidados. Além do coordenador de Música Erudita, Flávio Silva, estiveram presentes ao evento o diretor do Centro da Música, Marcos Lacerda e a coordenadora de Comunicação, Camilla Pereira.

As homenagens da Funarte ao Centenário do Samba prosseguem nesta quinta, dia 1º de dezembro, e na sexta, dia 2, com a apresentação do musical A Cuíca do Laurindo, às 20h, com entrada franca.

Saiba mais sobre A Cuíca do Laurindo

Fotos S. Castellano


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