A maior parte do nosso corpo é composta por água, mas, além de sua inegável importância para a vida humana e da biosfera, esse elemento traz o registro daquilo que foi vivido pelo próprio planeta Terra já que, por meio de seus ciclos, a água presente na natureza nos dias atuais é a mesma de eras geológicas passadas. É a partir dessa relação ecológica e com a memória, que o coletivo Duodreno produziu a instalação expositiva Aquarum, aberta ao público na Galeria de Arte e Pesquisa (GAP) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória. O projeto foi um dos 15 contemplados pela 5ª edição do Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça da Fundação Nacional de Artes – Funarte.
No período de visitação, de 16 de julho a 30 de agosto, o público será parte integrante da intervenção e fundamental para dar sentido à proposta artística de Aquarum. É que a instalação consiste em um poço semi-artesiano com uma profundidade de 16 metros perfurado dentro da própria galeria, do qual será extraída a água a ser servida aos visitantes. Para a drenagem, os frequentadores irão contar com uma bomba tipo picota. A água do poço também será devidamente tratada para o consumo humano. Em um monitor de TV, os espectadores ainda poderão se inteirar sobre a perfuração do poço por meio do registro audiovisual desse processo.
Ao possibilitar a ingestão da água drenada do poço, Aquarum integrará o espectador com algo mais amplo e carregado de ancestralidade: com a memória do ato de beber a água direto da fonte. Como uma ação de comunhão, o interagente será colocado diante de sua condição planetária que, assim como os demais seres que necessitam de água para viver, será convidado a se perceber em constante troca com a biosfera integrando um todo (presente, passado e futuro) por meio de um ciclo de transformações infinitas.
Comunhão com a memória planetária
Formado pelos artistas Piatan Lube e Júlio Tigre, o coletivo Duodreno propõe, metaforicamente, provocar a passagem para o campo visível daquilo que estava invisível e vice-versa, promovendo intervenções que ampliem e redimensionem o espaço expositivo. O trabalho em dupla foi resultado de uma aproximação vivenciada em 2011. Na ocasião, Piatan desenvolveu um projeto de residência artística na Galeria de Arte Casarão, em Viana, sob a orientação de Júlio Tigre. Donos de trajetórias artísticas individuais, os dois artistas, de alguma forma, já tratavam o território como componente chave de suas criações ou intervenções anteriores.
Aquarum visa estabelecer uma nova cartografia ao considerar os extratos geológicos subterrâneos e fazer uso de uma matéria originária: a água tem a capacidade de transferir informação para outros sistemas como os organismos vivos. Seguindo essa ideia, o público é convidado a consumir a água extraída do poço durante sua experiência com a intervenção, ou seja, haverá uma contaminação e um encontro de águas. Piatan Lube explica que a proposta é acessar o imaginário planetário por meio da perfuração do solo deste território ideológico, que busca, no subsolo, a memória das coisas do mundo, ao mesmo tempo em que brinda, em um estado de comunhão, esse encontro por meio da ingestão da água retirada do poço: “esse processo de criação é ritualístico e propõe a arte como alimento. Ao desfrutar desse elemento e de seus significados, o público poderá atribuir ao espaço expositivo uma função a partir dos lençóis que estão sob a GAP. Trata-se de uma obra em sua experiência processual do real, sendo disponibilizada como água/memória, água/arte, água/conceito, água/fenômeno, água/mundo para ser bebida dentro do espaço expositivo de modo a negociar sua poética com a institucionalização desse lugar. Será um ativamento cíclico com os lugares que carregaremos para dentro de nós. É a fonte de vida na fonte das artes”.
Para Júlio Tigre, Aquarum propõe um gesto simples e preciso ao viabilizar transformação coletiva do espaço expositivo em lugar de ações e vivências. “O contato com este subterrâneo se dará através desse elemento universal e funcionará como uma metáfora para o reconhecimento de territórios interiores. Ao perfurar o solo, revolvemos um passado, ali estão vestígios de uma outra ocupação, seus dejetos, matéria orgânica em eterna decomposição, a massa opaca e obscura, e nos surpreendemos por encontrar nela um elemento cristalino. O que irá caracterizar essa experiência na construção de um lugar é o encontro de duas naturezas, interligadas, nos colocando como parte do sistema. Dessa forma, propomos o estabelecimento de uma hidrografia afetiva”, diz o artista.
Os espaços expositivos, como as galerias e os museus, com suas impecáveis paredes brancas, luz artificial, apagamento de janelas e clima controlado, retiram a arte do mundo externo. Em Aquarum, essa estrutura neutralizante é rompida e ressignificada. Para isso, além de um projeto de arte-educação que será desenvolvido ao longo da exposição, também serão realizadas atividades que farão uso da água drenada do poço e encontros para debates sobre a arte contemporânea e sobre os temas suscitados pela proposta do coletivo Duodreno.
Ficha técnica:
Criação, direção e produção: Piatan Lube e Júlio Tigre
Arte-educação: Mara Perpétua
Texto crítico: Fernando Pessoa
Coordenação da Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes: Marcos Martins
Fotografia e audiovisual: Alexandre Barcelos
Design: Vinicius Guimarães
Serviço:
Aquarum – Instalação expositiva
Visitação: 17 de julho a 30 de agosto
De segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas
Local: Galeria de Arte e Pesquisa – Ufes
Campus Goiabeiras – Vitória (ES)
(27) 4009-2586
Entrada Franca
Projeto contemplado com o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça 2012