O que significa o vocábulo “teatro”? Uma das várias possibilidades nos é dada pelo diretor, teórico e ator Fernando Peixoto, num pequeno, mas primoroso trabalho intitulado O que é Teatro, que pretendia, no início dos anos 80, iniciar os leigos na arte da representação. Transcrevemos abaixo, apesar de um tanto longa, uma das possíveis descrições do que seria o “teatro”:
“Um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa. Entre ambos a consciência de uma cumplicidade, que os instantes seguintes poderão até atenuar, fazer esquecer, talvez acentuar: o primeiro, sozinho ou acompanhado, mostra um personagem e um comportamento deste personagem numa determinada situação, através de palavras ou gestos, talvez através da imobilidade e do silêncio, enquanto que o outro, sozinho ou acompanhado, sabe que tem diante de si uma reprodução, falsa ou fiel, improvisada ou previamente ensaiada, de acontecimentos que imitam ou reconstituem imagens da fantasia ou da realidade”. (Peixoto, 1980:9-10)
Tradicionalmente, o que se entende por “um espaço” é o palco no qual uma ou várias pessoas, diante do público reunido para a ocasião, dizem uns para os outros, “de forma convenientemente expressiva, palavras ou frases de um preexistente texto literário decorado” (CRUCIANI & FALLETTI, 1999), ainda que este significado abranja apenas de forma parcial aquilo que durante séculos costumou-se indicar este mesmo vocábulo, “teatro”, limitado a dois ou três séculos de prática essencialmente europeia.
O contexto sociocultural define o (s) espaço (s) cênico (s) apropriado (s), ainda que certas tendências do teatro contemporâneo afirmem prescindir de um espaço próprio e definido para a realização da manifestação teatral. Resolvemos esta questão se entendemos “espaço” em sentido amplo, significando “qualquer espaço”, mais simbólico que físico. O espaço cênico é uma imposição ou uma opção, ambas de natureza social (Peixoto, 1980), sejam tratar-se dos anfiteatros gregos e os teatros de arena, os teatros do período elisabetano ou o chamado “palco italiano”.
As artes cênicas e, especificamente, o teatro pode, portanto, ser realizado em qualquer espaço. Isto implica, por outro lado, em algumas pré-condições, conforme exposição de Humberto Braga, ex-diretor da Funarte e ex-secretário de Música e Artes Cênicas do Ministério da Cultura.
Este raciocínio nos permite afirmar que a rua, como representação simbólica, também pode ser um espaço cênico, espaço para o exercício da liberdade e da criatividade. No espaço aberto da rua o sujeito se sente mais capaz de atuar, predispondo-o ao jogo e à espontaneidade. Este é um dos pontos irrecusáveis referentes ao princípio do teatro: a ideia de que, desde cedo, o homem sente a necessidade do jogo, e no espírito lúdico aparece a incontida ânsia de “ser outro”.
No caso da expressão “teatro de rua”, a ideia de rua significa todos aqueles espaços públicos que não são salas convencionais para representações teatrais. Ele é uma forma espetacular que “nasce do assalto à silhueta urbana” (Carreira, 2001), entendida tanto como os aspectos físicos da cidade, como também ao complexo das relações sociais que nascem do uso desse espaço. É ainda, uma prática que constitui um exercício de resistência cultural e busca de identidade frente aos modelos de organização teatral do sistema hegemônico (leia-se: teatro comercial). O teatro de rua não enclausura os espectadores, pois, sendo totalmente aberto, estreita a relação entre o acontecimento teatral e o horizonte da cidade.
Fechando esta pequena introdução com o mesmo Fernando Peixoto, respondemos a pergunta “o que é o espaço teatral hoje?”:
“Tudo. Uma esquina, um restaurante. Um ônibus, um galpão. Até mesmo um teatro tradicional. Basicamente, duas hipóteses são possíveis: usar os espaços tradicionalmente reservados aos espetáculos ou negá-los, inventando quaisquer outros. Hoje, mais que nunca, a escolha determina uma opção de profundas consequências ao nível da linguagem e da ideologia”. (Peixoto, 1980: 38)
Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua
Em 2009 a Funarte lançou a primeira edição do Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua com o objetivo de “apoiar grupos, companhias ou artistas viabilizando a realização de projetos de montagem ou circulação de espetáculos, performances cênicas ou intervenções, que busquem, nas apresentações de rua, um novo significado para o espaço público, assim como o registro e memória de suas atividades”.
Foram estabelecidas as seguintes diretrizes gerais de avaliação para a Comissão de Seleção: excelência artística do projeto; qualificação dos profissionais envolvidos; diversidade da produção das artes cênicas no país; viabilidade prática do projeto. Foram premiados sessenta projetos, divididos por módulos, conforme quadro abaixo:
Módulos | Número de premiados | Valor bruto |
A | 34 | R$ 20.000,00 |
B | 16 | R$ 40.000,00 |
C | 10 | R$ 50.000,00 |
A iniciativa da Funarte é de extrema relevância se observarmos os dados alarmantes levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao pequeno número de municípios brasileiros com existência de teatro ou salas de espetáculos e que financiam grupos de teatro (sejam eles de rua, ou não).
Referências bibliográficas
CARREIRA, André Luiz Antunes Netto. Teatro de Rua como Apropriação da Silhueta Urbana: Hibridismo e Jogo no Espaço Inóspito. In: Trans/Form/Ação. São Paulo, nº. 24. 2001.
CRUCIANI, Fabrizio & FALLETTI, Clélia. Teatro de Rua. São Paulo: Hucitec. 1999.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos municípios brasileiros: cultura 2006. Rio de Janeiro: IBGE. 2007.
PEIXOTO, Fernando. O que é Teatro. São Paulo: Brasiliense. 1980.
Para acessar o relatório estatístico do Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua, clique aqui.
Maiores informações: marcelogruman@funarte.gov.br e andrebezerra@funarte.gov.br