O 1º Ciclo de Palestras CCPF Funarte – 30 anos, realizado no Museu Histórico Nacional (MHN), no Centro do Rio de Janeiro, recebeu cerca de 150 pessoas no seu segundo e último dia em 22 de novembro, terça-feira – ao todo, o seminário recebeu mais de 300 –. Fotografia, Periferia e Memória foi o eixo temático da conferência da manhã. À tarde, houve a mesa-redonda Fragilidade Digital: Memória ou Vaga Lembrança. Ao todo, sete especialistas reconhecidos em diversas áreas da fotografia e afins participaram das duas etapas.
Compuseram a mesa da manhã, com relatos sobre seus trabalhos – os fotógrafos: Ratão Diniz, com a palestra Revelando os Brasis; Marizilda Cruppe, que apresentou o a conferência A minha periferia; Luiz Baltar, com a explanação Fluxos e Contrafluxos; e Monara Barreto especialista em organização fotográfica (especialmente indexação), na fala A preservação digital do Imagens do Povo – um estudo de caso.
Sandra Baruki, coordenadora do Centro de Conservação e Preservação da Fotografia da Funarte – setor ligado ao Centro de Artes Integradas da casa – abriu a sessão de palestras. O professor, fotojornalista, fotógrafo e cientista social Dante Gastaldoni, mestre em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) apresentou cada convidado.
O cotidiano do povo nordestino nas lentes de Ratão Diniz
Formado pela Escola de Fotógrafos Populares/Imagens do Povo, do Observatório de Favelas, Ratão Diniz abriu as palestras. Ele falou sobre sua atuação, desde 2007, no projeto Revelando os Brasis, juntamente com Jaqueline Félix, em todos os estados das regiões Nordeste e Norte – realizado pela Secretaria do Audiovisual (SAV) – Ministério da Cultura e pela Petrobras. O palestrante também desenvolve uma documentação fotográfica sobre a arte do grafite, que lhe rendeu uma exposição no Foto Rio 2009. É fotógrafo oficial da Semana de Música Antiga da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e vem documentando as favelas do Rio de Janeiro – trabalho em que busca apresentar as comunidades através da ótica dos próprios moradores. Seus projetos mantém as características primordiais do Imagens do Povo.
“A primeira coisa boa do Revelando os Brasis foi que nele reencontrei minhas raízes nordestinas. Meus pais são da Paraíba e do Rio Grande do Norte. As histórias deles criaram uma memória desses lugares em mim, que pude vivenciar”, compartilhou Ratão. Num concurso nacional, o projeto de formação e inclusão audiovisual leva pequenas caravanas a várias cidades que não tem cinema. São reunidas pessoas interessadas em elaborar filmes, com temas locais, centrados na vida de cada lugar. Elas são capacitadas e recebem apoio para a realização e os filmes são editados. Depois, as caravanas retornam às cidades premiadas, para exibir o resultado. Levam num caminhão grandes telas, 300 cadeiras e todo o aparato de exibição – tudo isso documentado em fotos. Ratão Diniz mostrou várias fotos que mostram a vivência dele nas cidades visitadas e sua convivência nas casas dos moradores; além de momentos das viagens, da elaboração dos filmes e das projeções. Havia imagens de exibições com milhares de espectadores. As cenas lembraram algumas das ideias dos filmes criados no projeto (em exibição no Canal Futura): a seca, os vaqueiros e tropeiros, suas histórias e influência na cultura (e como isso hoje diminui); narrativas sobre o cangaço; e outros temas.
Marizilda Cruppe: fotografia a favor das lutas socioambientais
Marizilda Cruppe, fotojornalista e fotógrafa documental e autoral, fundadora do coletivo EVE Photographers – cujo trabalho foi exibido e publicado em dez países – fez uma palestra-depoimento, em que narrou e comentou sua trajetória. Seus temas de interesse estão relacionados às questões ambientais, de gênero e aos direitos humanos. “Depois de 16 anos, pedi demissão do Jornal O Globo, em 2011, para ser fotógrafa independente. Desde então, tenho trabalhado muito com organizações humanitárias e ambientais. Passei a não ter residência fixa. Vou onde a fotografia me leva. Por exemplo, viajo pela Região Norte, especificamente pela Amazônia graças a esse novo projeto, o Viver e Morrer pela Floresta”, conta ativista – que integrou o júri do maior e mais prestigiado concurso de fotojornalismo mundial, o World Press Photo; e colaborou com publicações como The New York Times, The Guardian e National Geographic France. Marizilda tem fotografado para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para o Médicos Sem Fronteiras e para Greenpeace. Este a premiou com uma bolsa, para continuar seu mais recente projeto – que inclui fotos e vídeos –. “Ele é realizado junto a mulheres ambientalistas populares. São líderes comunitárias que defendem a terra, o meio-ambiente e os direitos humanos (tudo isso está interligado)”, contou a ativista. Ela exibiu fotos cujos temas são a natureza amazônica; os habitantes do local, entre eles os índios; o desmatamento e as queimadas; e as lutas sócio-ambientais da região – a reação do povo à ação das madeireiras, a ação popular na defesa da mata, histórias de confrontos e até de mortes. Depois de expor fotos vivenciais e cotidianas, Marizilda comentou: “Viajo muito em busca de temas para a fotografia. Muitos de nós, fotógrafos, procuram esses temas longe. Mas eles podem estar mais perto do que se imagina”. Marizilda também foi jurada do concurso Estação Imagem Mora (Portugal) e instrutora de Fotografia Documental em Angola, para a Fundação World Press Photo, e no Rio de Janeiro, para a Tufts University/Open Society Foundations e para a Stop TB Partnership.
Luiz Baltar traz o ativismo social mesclado à arte
O palestrante seguinte foi Luiz Baltar, graduado pela Escola de Fotógrafos Populares e formado em Gravura na Escola de Belas Artes (EBA), Ele trabalha atualmente como designer gráfico e colabora, nas duas áreas, com diversas mídias, no Brasil e no exterior. Participou do Imagens do Povo, um centro de documentação, pesquisa, formação de fotógrafos populares, que também serve à inserção destes no mercado de trabalho – seu programa alia a técnica fotográfica documental a questões sociais, registrando o cotidiano das comunidades “através de uma percepção crítica, que leve em conta o respeito aos direitos humanos e à cultura local”*–. Baltar comentou sobre importância do projeto, fundado pelo fotógrafo João Roberto Ripper em 2004, em que registrou manifestações populares por direitos sociais.
A palestra Fluxos e contrafluxos tem o nome de um projeto recente de Baltar – tema principal da sua fala – que tirou primeiro lugar no 14º Prêmio de Arte da Fundação Conrado Wessel. O ensaio autoral Fluxos é um registro das longas viagens de ônibus urbanos cotidianas do fotógrafo – feito através de celulares ou câmeras –. “Ali tentei registrar os imprevistos, o acaso”, disse ele. “Nasci e vivo no subúrbio. Minha vivência lá é muito forte – bem como meu engajamento ativista”. Esses dois polos pautaram Fluxos e Contrafluxos. No primeiro, Luiz usou recursos simples para provocar distorções nas imagens. “Isso muda a realidade que se move pelas janelas dos ônibus”, comenta. Já Contrafluxos, documental, mas também autoral, mostra manifestações populares no Rio de Janeiro, nos últimos anos, políticas (algumas com confrontos da população com a polícia), culturais e religiosas; além de ocupações e remoções em favelas. A maioria das fotos feita na Zona Norte, nas comunidades da Maré e Manguinhos e Mangueira, mas também no Centro da Cidade; e ainda em Belém (PA), na procissão do Círio de Nazaré. As fotos de lutas populares foram para o Imagens do Povo e para o projeto de documentação coletiva Tem morador (2010), em que as fotos mostram remoções de moradores nas ações de “revitalização” da região portuária do Rio para a Copa do Mundo e Olimpíadas. “Primeiro procurei registrar as imagens dos espaços antes das obras. Essas fotos retratam construções já demolidas e denunciam a especulação imobiliária”. Fluxos e contrafluxos incorpora experimentações que o autor faz há algum tempo, juntando imagens em múltiplos ângulos; e também compondo paisagens panorâmicas. O autor ganhou, ainda, o Prêmio Brasil Fotografia Ensaio Impresso 2015. Sua obra foi prestigiada também internacionalmente: em 2011 na exposição The fighter within – Londres (ING) –. “Apesar de um inesperado reconhecimento que tive na esfera documental, senti que precisava realizar um trabalho mais autoral”, disse Baltar, que conferiu essas duas faces da fotografia a Fluxos e contrafluxos. “Mas o trabalho autoral passa e o documental fica, pela contribuição social que este deixa”, refletiu.
Monara Barreto: organizar as imagens é tão importante quanto produzi-las
A seguir, falou Monara Barreto, graduada em Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação pela UFRJ; formada pela Escola Fotógrafos Populares e com experiência em organização e indexação de fotografia. Foi esse tema, em síntese, do qual a biblioteconomista tratou. Ela falou do trabalho com acervos fotográficos para bancos de imagens; da importância dessa tarefa; e das bases da sua metodologia. Com o tema A preservação digital do Imagens do Povo – um estudo de caso, a convidada fez um resumo da sua atuação nesse programa social, ao qual permanece ligada, e no qual inspirou sua pesquisa acadêmica. Na palestra, Monara explicou que, para cumprir essas missões, fez primeiro uma avaliação das necessidades dos fotógrafos da agência. Ela apresentou as etapas do processo de armazenamento de material em bancos de imagens: pré-edição e tratamento, indexação, importação para softwares, organização, classificação, edição, exportação para base de dados e disponibilização online. “A indexação é a base da organização fotográfica”, afirmou. E forneceu detalhes sobre a documentação padronizada para a classificação da fotografia; além de conselhos tecnicos, sobre seleção e descrição correta de imagens. Ela destacou quão importante são esses passos no processo de preservação do trabalho dos fotógrafos, comprovando que organizar as imagens é tão importante quanto produzi-las – principalmente hoje em dia, quando é tão fácil tirar uma foto e, por isso, a geração de imagens é tão grande (até excessiva)–. Ela enfatizou a importância, por exemplo, da identificação das peças (fase essencial do processo de classificação): “Os fatores que mais impedem os produtores de imagem de identificá-las, segundo a pesquisa que fiz, são: falta de tempo e dificuldades de organização e indexação – além do desconhecimento dessa última tarefa”, informa. Alguns obstáculos para a organização seriam: o excesso de produção de fotos; a resistência que algumas pessoas têm para descartar imagens – até mesmo aquelas quase idênticas (um tipo de “apego”); e a dificuldade de selecionar os melhores trabalhos. “Eu sempre digo aos fotógrafos que essa seleção é importante e os aconselho a fazê-la”, comentou. E indicou que todos devem tentar organizar seus materiais, precisamente a partir dos critérios básicos da organização. Monara exemplificou: “É preciso primeiro escolher bem o que fotografar – não apenas ‘sair clicando’; e também pensar que legenda utilizar e legendar corretamente; bem como definir onde e como armazenar as fotos”. A biblioteconomista acrescentou que poucos profissionais da imagem reconhecem que a indexação ajuda a preservar o seu próprio trabalho. “É necessário criar uma política de indexação nos bancos de imagens das instituições, para a organização e preservação de acervos. A indexação deve ser um hábito, assim como são o tratamento e a edição”, defendeu ela – que tem, em sua formação, os cursos ligados a organização de acervos fotográficos do Museu Histórico Nacional e os cursos de preservação e conservação de acervos fotográficos do Instituto Moreira Salles.
Mesa-redonda A Fragilidade Digital: Memória ou Vaga Lembrança?
Da mesa-redonda da tarde, com a temática A Fragilidade Digital: Memória ou Vaga Lembrança?, participaram: Patrícia de Filippi, arquiteta que atua em preservação fotográfica e cinematográfica, desde os anos 80; Millard Schisler, mestre em artes visuais pelo Visual Studies Workshop, em Rochester (NY) e atuante em fotografia digital, impressão digital e preservação, há mais de 15 anos; e, ainda, Marcos Issa, fotojornalista que ministra treinamentos e consultorias para fotógrafos e empresas sobre “o fluxo de trabalho digital” e a organização de acervos.
“O que fazer com os arquivos digitais?” – questiona Patrícia de Fillipi
Patrícia de Filippi começou sua fala agradecendo à Sandra Baruki pela iniciativa, à toda equipe responsável pelo projeto, a todos os presentes, e brincou: “Vamos colocar alguns conceitos e reflexões de um tema tão difícil, tão vasto e pelo pouco tempo que temos, queremos voltar aqui outras vezes”. Foi exibido um vídeo, produzido pelos convidados, sobre uma pesquisa que fizeram para ilustrar o que as pessoas pensam, hoje, quando tiram suas fotos, compartilham; e como “arquivam” material digital. “O vídeo que passamos são de pessoas como nós, que estão tentando entender o que fazer com seus arquivos digitais, sua produção fotográfica de maneira caseira, mas tentando entender onde estamos, nesse processo de preservação e arquivamento”, salientou Patrícia.
O vídeo da mesa-redonda será disponibilizado neste Portal, na área de Notícias/Artes Integradas.
Millard Schisler: o aumento do número de fotos digitais e precauções quanto ao seu arquivamento
Millard Schisler falou sobre a primeira imagem digital feita pelo engenheiro Russell Kirsch, em 1957. A foto é de Walden, seu filho, aos três meses de vida. A produção da primeira câmera pela Kodak, em 1975 também foi lembrada. Segundo Schisler, a era digital teve seu pontapé inicial nos anos 2000. Entre 2000 e 2010, a produção de filmes e câmeras digitais tiveram uma queda de produção, sendo que foram, quase que totalmente substituídos pelos smartphones. Em 2014, já foram catalogados 1,28 bilhões de celulares e 40 milhões de câmeras. “No ano de 2015, segundo a pesquisa, 78% das fotos foram feitas por celulares. Cerca de um trilhão de imagens. A previsão é que, em 2017, sejam 4,9 trilhões de fotografias”, explica Millard. O pesquisador também orientou como devemos nos precaver em relação ao arquivamento das imagens. “Alguém já fez um mapa? Do fluxo de trabalho? Da captura da foto ou quando chega até você?”, questionou. “Isso é uma coisa muito importante e curiosa. Por que, fazendo este fluxo, a gente começa a entender, de fato, o que estamos fazendo: ou profissionalmente ou no celular mesmo, como fotos de família.”
Marcos Issa: mapeamento de fluxo, backup e classificação
O fotojornalista Marcos Issa deu dicas sobre mapeamento de fluxo: “Só pra vocês entenderem o que é fluxo de verdade. Quando eu capturei, as fotos vão pro cartão da câmera, aí vou transferir pro computador e começar a trabalhar. Se tem um software bacana, faz uma coisa inteligente. Na hora que transfere do cartão pra câmera, já pode fazer o seguinte: faz uma pastinha, arrasta tudo pra lá e copia. Se você usa um software ele já ajuda você nessa passagem, do cartão pro computador. Aí já pode inserir metadados e, ao mesmo tempo, descarregar o cartão. Quando você já estiver fazendo esta transferência pro computador, faz uma segunda cópia em um HD externo, um backup. Porque, por exemplo: se houver um problema no computador; ou o roubarem, já existe um HD externo com todas as suas fotos. Tudo automaticamente. Acabou? Ele (software) faz tudo. Não esquecendo de renomear suas imagens durante o processo”, orientou Issa. Segundo ele, as fotos precisam ter uma identidade única, que nunca deve ser repetida, para facilitar a localização.
Millard Schisler: armazenamento e mídias
Millard Schisler também ressaltou a importância de se deixar um espaço livre no HD para trabalhar os arquivos. “Tem que ter de 15 a 20% de espaço livre no HD. Quando chegar a 20% você tem que estar ciente que está cheio. Esse “cheio” não significa não ter mais espaço para guardar seus arquivos, mas que não pode colocar mais nada”, explicou Millard. Segundo ele, se não respeitar este limite, a pessoa corre um sério risco de perder tudo que guardou no HD, caso ele dê um problema técnico. A plateia também fez perguntas sobre a duração dos dispositivos de armazenamento, como o pendrive. “Um pendrive deve durar mais que um HD, por exemplo. De cinco a dez anos, mais ou menos”.
CCPF e Cepin comentam o Seminário
A coordenadora do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte, Sandra Baruki, agradeceu a acolhida de toda equipe do Museu Histórico Nacional e também falou sobre o trabalho do CCPF: “Estamos à disposição de vocês. Durante estes dois dias falamos muito, conversamos muito, mas eu quero especialmente destacar um pouco sobre o que os palestrantes acabaram de colocar. Marcos (Issa) relatou do desespero dele, em 1985, quando ele descobriu a preservação fotográfica. E agora, a gente vê que essa atividade, que o desesperava, há 30 anos, é o caminho possível para a preservação digital. Acho isso, sensacional!”, festejou a coordenadora. “Gostaria de destacar o valor das nossas instituições, das nossas coleções. Isso tudo tem sido, a missão de nosso CCPF. Vida longa à Funarte! Vida longa ao CCPF!”.
A diretora do Centro de Programas Integrados da Funarte, Maristela Rangel, iniciou sua fala, cumprimentando a mesa e o Diretor do Museu Histórico Nacional, Paulo Knauss – agradecendo a ele “a parceria na realização deste importante Seminário que dá início às comemorações dos 30 anos do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica”; e saudou o Presidente da Funarte, Humberto Braga, e Sandra Baruki. “Celebramos aqui os 30 anos desta unidade, integrante da estrutura do Centro de Programas Integrados da Funarte. É um setor de caráter técnico, que atua na recuperação de acervos fotográficos, públicos e privados. Trata-se de um serviço público dedicado à preservação da memória fotográfica brasileira. Nesses dois dias desse 1º Ciclo de Palestras, tivemos a honra de aprender, refletir e discutir com os mais importantes profissionais dos segmentos da conservação fotográfica , como Pedro Vasquez, Millard, Marcos Issa, Dante Gastaldni, João Ripper, entre outros. Nesse momento, damos os primeiros passos para celebrar essa data. Estamos programando para o ano de 2017 novas palestras e oficinas, que contemplem outras regiões do Brasil. Breve vamos divulgar essas ações”, acrescentou a diretora.
*Site do Imagens do Povo