Por Pedro Paulo Malta
“Ô abre alas, que eu quero passar…”, escreveu Chiquinha Gonzaga na marcha-rancho que é lembrada até hoje como a primeira canção brasileira de carnaval, lançada em 1899. No piano da maestrina, em plena virada do século, abriam-se alas também para outro capítulo fundamental na nossa história: diante do nariz torcido de uma sociedade machista e patriarcal, ela foi a primeira protagonista mulher na história da música brasileira. Um protagonismo que serve de mote para lembramos, não somente hoje (Dia Internacional da Mulher), de tantas compositoras, instrumentistas e cantoras que levaram adiante o legado da pioneira Chiquinha.
Artistas como a polivalente Araci Cortes, que, cantando, dançando e atuando, tornou-se estrela do teatro de revista na década de 1920 (inaugurando a linhagem das “cantrizes”, que futuramente nos daria Bibi Ferreira). Por essa mesma época, o mundo da ópera já aplaudia Bidu Sayão – soprano que faria história encenando óperas no Scalla de Milão e no Metropolitan, de Nova York, entre outros grandes palcos internacionais. E o que dizer da grande Carmen Miranda, ícone brasileiro nascido em Portugal, de onde saiu para se tornar a voz do samba e, depois, estrela dos filmes de Hollywood?
Por aqui, o telecoteco continuou em cartaz em vozes como a da boêmia Aracy de Almeida (conhecida como o Samba em Pessoa) e das irmãs Dircinha e Linda Batista. Quando o rádio se tornou o principal meio de transmissão da nossa música, ninguém era mais ovacionado pelos auditórios barulhentos do que suas divas: Dalva, Emilinha, Marlene, Isaurinha, Elizeth, Angela Maria, Zezé Gonzaga, Carmen Costa e tantas, tantas outras. O rádio também daria voz à música caipira de Inezita Barroso, ao choro ligeiro de Ademilde Fonseca, ao baião de Carmélia Alves e, mais tarde, a Marinês – rainha do xaxado e do bom humor: “Eu sou pequenininha, mas gosto de tudo grande…”
Foi então que a música brasileira ficou minimalista, dando vez à bossa enxuta de Nara Leão, Sylvia Telles, Dóris Monteiro e Claudette Soares e também à bossa suingada de Elza Soares e Leny Andrade. Era a década de 60, com festivais e outros musicais de TV que traziam à tona a exuberância vocal de Elis Regina, os embalos juvenis de Celly Campelo e a sensualidade de Maysa, que dava seu recado através de versos da própria lavra: “Só digo o que penso, só faço o que gosto…”
O mesmo período também assistiu ao surgimento de vozes inconfundíveis, como as das baianas Gal Costa e Maria Bethânia e a da carioca Nana Caymmi. E de compositoras que, herdeiras de Dolores Duran, renovaram o repertório brasileiro na primeira voz feminina, como Sueli Costa e Joyce Moreno, esta autora dos versos: “Ô mãe, me explica, me ensina, me diz o que é feminina? – Não é no cabelo, no dengo ou no olhar, é ser menina por todo lugar…”
Quando o samba ganhou novo fôlego, na mesma década de 60, festejou a primeira compositora de sambas-enredo (salve Dona Ivone Lara!), conheceu as raízes na voz primitiva de Clementina de Jesus e, mais tarde, consolidou-se nos discos das mangueirenses Alcione e Beth Carvalho e das portelenses Clara Nunes e Cristina Buarque. Fora do samba, a década de 70 viu brotarem também a irreverência das Frenéticas, novas vozes tão brasileiras (como Elba, Fafá, Zizi…) e versos atualizados como os de Fátima Guedes: “Quem de vocês se chama João? Eu vim avisar, a mulher dele deu à luz, sozinha no barracão…”
Recado direto (e infelizmente atual) que poderia estar num funk de Fernanda Abreu, num blues de Ângela Rô Rô ou num rock de Marina Lima, Cássia Eller ou da antecessora delas, a grande Rita Lee, que aliás, como escreveu numa de suas letras, “é meio Leila Diniz”.
Uma lista incompleta e sem fim, que há de ser atualizada enquanto houver brasileiras fazendo jus ao refrão de Chiquinha: “Eu sou da lira, não posso negar…”